sexta-feira, 14 de setembro de 2012

STF conclui análise da acusação de lavagem com oito condenações

Marcos Valério e cúpula do Banco Rural foram considerados culpados.

Segundo MP, grupo ocultou origem do dinheiro usado para compra de votos.

Fabiano Costa, Mariana Oliveira e Nathalia Passarinho Do G1, em Brasília

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na noite desta quarta-feira (13) o julgamento sobre as acusações de lavagem de dinheiro no processo do mensalão com a condenação de oito e a absolvição de dois réus.
Todos foram acusados de ocultar a origem do dinheiro utilizado no suposto esquema de compra de votos no Congresso Nacional. As penas (de prisão ou prestação de serviços comunitários, por exemplo) para cada um dos réus condenados só serão definidas ao final do julgamento, que pode se estender até outubro, segundo as expectativas.

Após a conclusão da análise do item, a sessão foi encerrada. O julgamento será retomado na próxima segunda-feira (17) com o início da discussão sobre corrupção envolvendo partidos políticos. Entre os réus está o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e mais 22 ligados ao PT, PP, PL (atual PR), PTB e PMDB.
Foram condenados por unanimidade (10 votos a 0) Marcos Valério, os sócios dele Cristiano Paz e Ramon Hollerbach e a ex-funcionária do grupo Simone Vasconcelos. Os 10 ministros também consideraram culpados a acionista e ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabelloe o ex-vice-presidente da instituição José Roberto Salgado.

O atual vice do Rural Vinícius Samarane foi condenado por 8 votos a 2 - decidiram pela absolvição o revisor Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello. O advogado de Valério Rogério Tolentino também foi condenado por 8 a 2. Votaram pela absolvição dele Lewandowski e Dias Toffoli.
Simone Vasconcelos é a única entre os acusados que não havia recebido condenação em outro crime. Com isso, 10 dos 37 acusados de esquema de compra de votos no Congresso Nacional já foram condenados e três inocentados - veja como cada ministro votou.
Os ministros decidiram também por unanimidade absolver a ex-vice-presidente do Rural Ayanna Tenório. Geiza Dias, que havia sido chamada de "funcionária mequetrefe" pelo advogado, que argumentou que ela só obedecia ordens de Valério, foi absolvida por sete votos a três. Entenderam que ela é culpada o relator Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Marco Aurélio.

As condenações e absolvições só serão definitivas ao final do julgamento porque, antes da proclamação dos resultados, qualquer ministro pode modificar o voto, embora isso seja improvável.
Ao votar nesta quinta, o presidente do Supremo, ministro Carlos Ayres Britto, afirmou que a corrupção é um “comércio ultrajante da função pública”. “A corrupção leva, mais do que a uma apatia cívica, a um ceticismo cívico. Os cidadãos deixam de acreditar no poder público.”
Pela primeira vez desde que começou o julgamento do processo do mensalão, a sessão desta quinta ocorreu sem intervalo. Foi uma forma encontrada pelos ministros para acelerar o andamento da análise da ação penal.
 
Argumentos dos ministrosNa argumentação que apresentou na segunda-feira (10) sobre lavagem de dinheiro, o relator entendeu que há provas de que o Banco Rural ajudou as agências de Valério na ocultação de saques feitos por políticos em agências da instituição.
"Não há como negar que os réus, dolosamente, em divisão de tarefas próprias de um crime organizado, também fraudaram empréstimos, ocultaram bens, informações e dados, para ocultar proprietários e beneficiários de quantias, como etapa para a real lavagem de dinheiro", disse Barbosa.
O revisor votou nesta quarta (12) e decidiu pela condenação de seis e pela absolvição de quatro. Na argumentação pela absolvição de Geiza Dias, citou que ela era funcionária subalterna" e que tinha salário de "empregada doméstica".
"Eu tirei xerox da carteira de trabalho da senhora Geiza Dias. É cargo de assistente financeira. Ela não era gerente e na verdade, este cargo conforme veremos, equivale a um cargo que vulgarmente chamaríamos de secretária. O salário inicial era de R$ 1.100", disse Lewandowski.

Em argumentação nesta quinta (13), o ministro Marco Aurélio foi contrário à argumentação do revisor.
“Nem todos são autores intelectuais de um crime, mas há autores materiais. Há também participação de importância menor. Ela tinha o domínio da tramóia, ela tinha o conhecimento dos fatos, ela era depositária da confiança de Marcos Valério. Enquanto este agia como mentor intelectual, ela agia na prática material da lavagem, disse.
Para Marco Aurélio, não há como acreditar que Geiza não tinha conhecimento da origem ilícita dos saques e transferências de recursos. “Aos 66 anos não posso acreditar em Papai Noel”, disse.
O ministro comparou o grupo de Marcos Valério a uma “máfia italiana”. “Faço a comparação com a máfia italiana, porque a confiança entre os interlocutores era enorme”, disse.

Luiz Fux concordou com Marco Aurélio e afirmou que a ex-funcionária de Marcos Valério não atuava com ingenuidade ao enviar emails com orientações sobre saques. As correspondências anexadas na denúncia revelam que Geiza mandava beijos e abraços, revelou o revisor. "Era o beijo da morte que ela [Geiza Dias] dava no final dos e-mails", disse Fux ao citar a tradição do chefe da máfia italiana em dar um beijo em quem seria morto.
Rosa Weber detalhou, em sua fala, as acusações apenas sobre Rogério Tolentino, réu que gerou novo debate entre relator e revisor nesta quinta. Relator decidiu condenar, mas revisor disse que não havia provas do envolvimento.
“Com a devida vênia ao eminente procurador-geral, entendo que não há provas suficientes de que Rogério Tolentino tenha sido sócio oculto das empresas de Valério, mas isso não significa que não tenha praticado crime. Ele pode ser responsabilizado pelos crimes de lavagem realizados por meio de sua empresa, a Rogério Lanza Tolentino e Advogados Associados", afirmou Weber.
 
Valerioduto foi comprovado, diz ToffoliO ministro Luiz Fux destacou que não é preciso haver prova de que todos os recursos emprestados pelo Banco Rural a empresas de Marcos Valério tinham origem ilícita. "Recursos lícitos e ilícitos não são como água e óleo, acabam se misturando", argumentou.
De acordo com Toffoli, a denúncia comprovou a existência do “valerioduto”. "O valerioduto lograva utilizar o Banco Rural para a sua operação.”
"A denúncia logrou comprovar que havia um valerioduto, uma tecnologia de movimentação financeira por parte de um grupo proveniente de Minas Gerais, que já havia utilizado essa tecnologia em relação a outros episódios em andamento, alguns nesta corte e outros em instâncias inferiores", completou o ministro.
Na avaliação dos ministros, os “próximos capítulos” do julgamento vão revelar se o dinheiro obtido por Marcos Valério por meio de empréstimos e desvios em contratos com órgãos público foi usado para comprar o apoio de parlamentares.

A ministra Carmen Lúcia votou depois de Toffoli e comparou o crime de lavagem de dinheiro à corrente sanguínea.
“Este item me chama atenção pela importância. Nesse tipo de esquema delitivo, o dinheiro é para o crime o que o sangue é para a veia. É preciso que haja entidades criminosas para irrigar, e essa irrigação é feita com dinheiro”, afirmou.
Ao proferir seu voto, o decano do Supremo, Celso de Mello, afirmou que a lavagem de dinheiro é um crime que afeta toda a sociedade, prejudicando o desenvolvimento econômico do país. “Dinheiro sujo interfere de modo criminoso no próprio processo de crescimento econômico dos povos e das nações.”

Nenhum comentário: