domingo, 9 de novembro de 2014

Paraíba do Sul tem o mais baixo nível em 80 anos

SJB é uma das cidades mais afetadas pela estiagem no Norte e Noroeste do estado, que já matou quase 6 mil cabeças de gado
Perto de meio-dia, o sol está de rachar em São João da Barra, no Norte fluminense, onde o Rio Paraíba do Sul desemboca no mar depois de percorrer 1.100 quilômetros. Carla Verônica Tavares caminha até os fundos da casa onde mora e usa o leito seco do rio para estender roupa em um varal improvisado, feito de galhos, bambu e arame farpado. A cidade é uma das mais afetadas pela longa estiagem no Norte e Noroeste do Estado, que já matou quase 6 mil cabeças de gado e comprometeu a safra de cana-de-açúcar e a pesca. A seca mudou a paisagem da zona rural e ameaça a captação de água, mas o governo do Rio de Janeiro continua negando a hipótese de racionamento.

"O Paraíba acabou, né? Era um rio feroz, olha como ele tá agora. Eu nunca vi dessa maneira. Tá todo mundo apavorado com a situação do Paraíba", diz Carla, de 45 anos, que recebe R$ 230 por mês de um programa social do município vizinho de Campos, onde nasceu. Ela vive no local há quinze anos com o marido, a mãe e uma sobrinha. Em meio ao cenário desolador, a família parece não acreditar. "Como é que pode isso? Quem diria que a gente ia estender roupa no meio do Paraíba? É o fim dos tempos. Acho que vamos ter coisa pior mais pra frente", diz Amaro Jorge, de 50 anos, marido de Carla, catador de material reciclável. De três em três dias, um caminhão-pipa da prefeitura enche a caixa d’água da casa, que fica entre o rio e a BR-356.

O leito seco do Paraíba do Sul encerra as viagens do Estado pelos Caminhos da Seca, série que visitou bacias hidrográficas que irrigam a economia do Brasil. O cenário encontrado foi de desolação. O nível do rio é o menor dos últimos 80 anos. Com a redução da vazão, ficaram expostas "ilhas" de areia, chamadas de "coroas". O volume de chuvas este ano em Campos, que tem o maior território no Estado, não chega à metade da média das últimas três décadas, de 902 milímetros. Foram 432 mm até outubro, ante 1.292 mm em 2013.

O período da estiagem normalmente vai de maio a agosto, mas o ano está acabando e a chuva ainda não chegou. "Em setembro e outubro, o volume representa menos de 10% do padrão histórico de chuvas", diz o diretor do campus local da Universidade Federal Rural do Rio, Carlos Frederico Veiga.

Em Campos, a seca prolongada matou 2.840 cabeças de gado e provocou a perda de 520 mil toneladas de cana em relação à safra de 2013. O engenheiro agrônomo Luiz Carlos Teixeira, representante regional da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado (Emater-RJ), estima que o prejuízo em todo o norte fluminense chegue a R$ 200 milhões.

"O pessoal que está vivo hoje, gente com mais de 80 anos, nunca viu uma seca assim", diz o produtor rural Antônio Fiaux, de 58 anos, dono de três fazendas em São Fidélis. Ele conta que se preparou com um primo para sacrificar um boi que agonizava, desidratado, mas o animal morreu antes. "O pior é que, se chover agora, começa a morrer mais boi ainda, porque nasce o broto, o animal come, já debilitado, e tem diarreia."

O superintendente da Defesa Civil local, Cláudio Luiz de Almeida, diz que fazendeiros estão picando troncos de bananeira para dar aos animais. Ele admite: "Não estamos preparados para uma seca como essa". Caminhões da prefeitura levam às fazendas carregamentos de cana trazidos de Minas Gerais e do Espírito Santo para tentar salvar o rebanho, magérrimo.

Pequenos produtores são maioria na região. Poucos têm sistemas sofisticados de irrigação, com poços artesianos. O riacho São Benedito, que abastecia os açudes das fazendas antes de desembocar no Paraíba, está seco. "Parece que estamos num deserto", resume o secretário de Agricultura, Gilberto França.

Na fazenda Badger, urubus atacam as carcaças de três bois. Na vizinha São Benedito, que tem 800 cabeças de gado nelore, 18 morreram nos últimos dias - em todo o município foram 1.025. Genro do dono da fazenda, o empresário Lázaro Rosa, de 37 anos, havia se mudado com a mulher no início do ano, de São Paulo, para ajudar a cuidar dos 250 hectares. "O gado cai e não levanta mais."


Retroescavadeiras abriram covas de dois metros de profundidade para enterrar os animais que não resistem. "Estamos esperando encher para fechar", diz o boiadeiro Leomir Mury, de 26 anos, que trabalha há oito na fazenda. Os pescadores também estão sofrendo com a seca em São Fidélis. De acordo com o presidente da Colônia Z-21, Sirley Ornelas, a atividade tornou-se "praticamente impossível".

O governo afirma que não há risco de racionamento para a população, mas a captação do Paraíba já foi suspensa em São João da Barra. Isso ocorre na maré alta, quando o mar invade o rio, que não tem pressão para empurrar a "língua salina".

"Se não chover em Minas, água aqui é zero. Com o desvio para o Rio de Janeiro, quase não vem mais água de São Paulo. O Paraíba está morrendo", diz o pescador Gervásio Meireles, de 65 anos. Ele pediu aos dois filhos que não sigam a sua profissão - um estuda eletrotécnica e outro busca emprego no porto. Ao lado de um barco encalhado na foz, Meireles reclama da ventania que quase lhe arranca o boné e diz que ela não é normal para novembro. "Esse vento é de agosto. Agora tá tudo ao contrário."
Terceira Via/Show Francisco



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