sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Minhas esperanças para São Francisco de Itabapoana

Por Arthur Soffiati

Minhas esperanças para São Francisco de Itabapoana

Conheci São Francisco de Itabapoana em 1815. Naquele tão longínquo tempo, o território fazia parte do termo de São João da Barra e se chamava Sertão das Cacimbas. É claro que estou fazendo ficção ou mentindo. Por mais velho que eu fosse, não podia estar vivo hoje se tivesse visitado o território atual de São Francisco de Itabapoana em 1815. Como sou historiador, minha primeira visita foi feita pelos pés e pelos olhos do príncipe naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied.

Atravessei com ele o rio Paraíba do Sul na foz. Dirigimo-nos ao norte. Ainda não existia Gargaú. Na altura da praia de Manguinhos, tomamos uma trilha em meio a uma imensa e bela floresta. No seu interior, ouvimos o cantar melancólico do jaó e encontramos dois caçadores nus transportando como troféu um grande lagarto teiú abatido. Tão intrincada era a mata que não demos a devida importância aos pequenos rios que cortam os tabuleiros de São Francisco de Itabapoana. Pousamos na fazenda Muribeca, na margem direita do rio Itabapoana. Ela pertenceu aos Jesuítas, mas foi vendida a particulares quando essa ordem religiosa foi expulsa do império lusitano pelo Marquês de Pombal em 1759. Ali, encontramos um exemplar de lontra que nos pareceu ser de ariranha.

Retornei ao lugar em 1818, agora na companhia do botânico francês Auguste de Saint-Hilaire. Não deu para notar mudanças significativas na paisagem. Não registramos os córregos, por entendermos que eram muito pequenos. Nem notamos as peculiaridades da mata que se desenvolvia nos tabuleiros. Mais tarde, ela será classificada como uma variedade da mata atlântica denominada estacional semidecidual, por sofrer marcada influência das estações úmida e seca. Na úmida, ela se apresenta muito verde. Na seca, perde entre 20% e 50% de suas folhas.

Passei muito tempo sem voltar a São Francisco de Itabapoana. Quando retornei, tive dúvidas se eu passara por ali. Tudo estava transformado. Para pior. A grande mata foi derrubada para a obtenção de madeira de lei, sobretudo da valiosa peroba de Campos, para a obtenção de lenha e para a abertura de espaço destinado à lavoura e ao pasto. No entanto, o que causou mais dano ao solo sanfranciscano foi a lavra de uma empresa federal para a obtenção de terras raras, sobretudo monazita.

Da grande floresta, sobraram tufos, sendo a Mata do Carvão o maior deles. Os córregos perderam suas matas ciliares, foram barrados em vários pontos e chegaram a perder suas desembocaduras. A erosão transportou terra para o leito dos córregos e provocou assoreamento. O uso de fertilizantes químicos e de agrotóxicos eutrofizou as águas, estimulando o crescimento de plantas. Já em 1815, eu dizia ao príncipe Maximiliano que a natureza do Sertão das Cacimbas era um paraíso ameaçado. Ele entendeu que era exagero meu. Não há força humana que seja capaz de destruir essa natureza luxuriante, disse-me ele. Saint-Hilaire foi mais sensível aos meus temores. Eu entendia até que seria inevitável o desmatamento para abrir espaço à agropecuária, mas não imaginava que se chegaria a tanto.

Diante da destruição ambiental, urgia salvar a mata do Carvão. Foi o que fizemos, propondo sua inclusão na Reserva Nacional da Biosfera da Mata Atlântica. A proposta foi aceita. Mas não bastava apenas que o fragmento figurasse no mapa da Reserva. Era preciso uma proteção de fato. Com muita luta, foi criada a Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba.

Mas a luta deve continuar. Ainda tenho esperança de que pode haver um tempo melhor para São Francisco. Mas não quero que minha esperança de futuro valha só para mim. Os habitantes do município devem aceita-las com úteis a sua vida.

1- Penso que os córregos da lagoa Salgada, lagoa Doce, Guriri, Tatagiba Açu, Tatagiba Mirim, Buena, Barrinha e Manguinhos possam ser desobstruídos das barragens que proprietários ergueram nos seus leitos para reter água. Alguns também escavaram buracos em suas margens ou mesmo em seus leitos atrás de água. Sinal de que a água escasseia no território. O ideal seria a demarcação desses cursos d’água pelo Instituto Estadual do Ambiente, com suas respectivas faixas marginais de proteção para fins de reflorestamento em consonância com o tipo de vegetação: nos tabuleiros, espécies típicas da mata estacional semidecidual; na restinga, com as espécies desse substrato arenoso. Na foz dos rios, com espécies de mangue.

Aos poucos, a água devolveria a umidade do solo e poderia, em cotas adequadas, atender à agricultura e à pecuária. Tenho apenas um receio. Abrir a foz de cursos d’água para o mar como as das lagoas Salgada e Doce, Tatagiba Açu e Mirim concorreriam para esvaziá-los? Seria necessário empreender estudos técnicos para tal empreendimento. Talvez conter a água junto à foz com comportas simples (nada que é provisório deve ter a qualidade do que é definitivo) e manejar o fluxo hídrico porque dele depende o desenvolvimento dos manguezais.

2- Quanto ao rio Guaxindiba, o maior entre o Itabapoana e o Paraíba do Sul, penso que não se pode projetar seu futuro ignorando as obras que o Departamento Nacional de Obras e Saneamento executou nele. Os canais Engenheiro Antonio Resende e Guaxindiba já foram incorporados pela natureza. É cabível, porém o rebaixamento do dique na margem direita do primeiro, no final do sue curso, resultante do acúmulo de areia. Rebaixado o dique, ele permitiria que a área de manguezal se alastrasse e aumentasse a produção da fauna típica desse ecossistema, que tem valor econômico. O projeto de um pequeno trapiche para ancoragem de barcos pesqueiros marítimos é perfeitamente adequado para a costa que se estende dos rios Macaé ao Itapemirim.

3- A mutilação das lagoas cortadas pela sede do município e pelas estradas, notadamente a RJ-224, parece irreversível. O que nos resta é salvar os fragmentos dessas lagoas, demarcando-as e reflorestando suas margens.

4- Os poucos fragmentos de mata estacional semidecidual que restaram além do protegido pela Estação Ecológica de Guaxindiba devem ser protegidos e, sempre que possível, ampliados.

5- O manguezal do rio Paraíba do Sul merece um tratamento especial por ser o primeiro ou o segundo manguezal do Estado do Rio de Janeiro em extensão e diversidade, além de sustentar uma atividade econômica extrativista. Entendo que deve ser criada uma Unidade de Conservação apropriada para ele. O manguezal do rio Itabapoana também merece atenção. Não se deve descuidar dos pequenos manguezais de Guaxindiba, Buena e Manguinhos. Outros mais podem merecer cuidados no futuro.

6- Cada vez mais me convenço que a enseada do Retiro merece ser tombada pelo seu valor ambiental e histórico. Pensemos que, nela, foi fundado o primeiro núcleo português na região. Se ele continuasse a existir, seria mais antigo que Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. O tombamento implicaria em revitalizar as lagoas Salgada e Doce, tão adulterada pela atividade de lavra na praia. Mas implicaria na recuperação do manguezal do rio Itabapoana, pelo menos parcialmente.

7- As duas rodovias estaduais que cortam São Francisco de Itabapoana – RJ 224 e RJ 196 –, juntamente com as estradas municipais, barram totalmente os cursos d’água em alguns pontos. Em outros, as passagens para o fluxo hídrico são subdimensionadas. Atualmente, ganha atenção a chamada ecologia de estradas, pois estas obras viárias podem causar grandes impactos ambientais. Podem afetar a fauna aquática e terrestre. Estima-se, hoje, que a principal causa da morte de animais são as estradas construídas com o interesse apenas nos veículos. Em São Francisco de Itabapoana, a RJ 196 tende a se transformar numa rodovia federal ao se emendar a ES 060. Entendo que ela devia evitar qualquer núcleo urbano, assim como entendo que a RJ 224 deveria contar com sistemas para a travessia de animais, pelo menos junto à zona de amortecimento da Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba. Para todas, estaduais e municipais, as passagens para o fluxo hídrico nos rios devem ser devidamente dimensionadas.

Nas campanhas eleitorais de 2016, os candidatos têm insistido muito na saúde preventiva. Embora não pareça, todas as propostas apresentadas acima têm, como pano de fundo ou de frente, a saúde preventiva.

Essas sete propostas já bastam para início de conversa. Sei que se pode contar em São Francisco de Itabapoana, com a liderança de Ilzomar Soares Filho, o Vovô de Gargaú, que merece o voto do cidadão sanfranciscano.
Show Francisco

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