domingo, 12 de maio de 2019

Campos tem 32 mil negativados

Cadastro no SPC restringe acesso a crédito e afeta o comércio, que ainda sofre com a crise que o município enfrenta desde 2014 
POR MARCOS CURVELLO


Número de negativações corresponde a 10% da população de adultos e idosos, que, segundo o Censo 2010, é composta por cerca de 316 mil pessoas com idades a partir de 20 anos (Foto: Silvana Rust)

Cerca de 32 mil campistas estão com o CPF negativado e encontram restrição na hora de comprar. O número é da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Campos e representa 10% da população adulta e idosa do município, que, segundo dados do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é composta por aproximadamente 316 mil pessoas com idades a partir de 20 anos.

Zaqueu Santos, de 64 anos é uma delas. O empresário teve o nome incluído na lista do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) pela TIM. Ele afirma que a negativação aconteceu por causa de uma conta telefônica que nunca chegou e contesta na Justiça a decisão.

“Como tenho empresa e preciso estar sempre falando com fornecedores e clientes, uso o celular o tempo todo. Durante muitos anos, fui cliente da Vivo, mas comecei a ter problemas com as ligações, que passaram a cair com frequência”, diz. Era fevereiro de 2018 quando ele decidiu trocar de operadora.

“Fiz portabilidade para a TIM. Ao migrar, porém, não fui informado da necessidade de mudar o código da operadora. Liguei como normalmente fazia, usando os números que já tinha registrado na agenda. Paguei uma primeira conta de aproximadamente R$ 400. Depois, vieram outras. No total, tive quase R$ 2 mil de prejuízo e acabei negativado em razão de uma fatura, que nunca chegou. Disseram que seria enviada por e-mail, só que não foi. Nem pelos Correios”, conta.

O empresário, contudo, recebeu uma carta: era um comunicado de negativação. A situação causou indignação. “Tenho 64 anos e nunca tive o nome sujo na vida”.

Como não houve entendimento com a loja onde o plano foi feito, a solução foi recorrer à Justiça.
Efeitos da negativação

Entre janeiro de 2018 e maio deste ano, 33 pessoas buscaram a superintendência do Procon/Campos a fim de recorrer administrativamente com relação a nome negativado indevidamente nos serviços de proteção ao crédito. Gerente executivo da CDL Campos, Nilton Miranda afirma que o número de pessoas inscritas no SPC se altera diariamente, mas a média é constante.

“Todo dia sai gente, mas também entra. Então temos esse número consolidado de pouco mais de 30 mil indivíduos negativados, o que impacta diretamente no comércio, já que, graças a isso, eles têm restrição na hora de obter crédito. E quem só pode comprar à vista acaba consumindo menos do que poderia”, resume.
Crise e desemprego

A maior causa de inscrição de consumidores no SPC, todavia, ainda é a inadimplência. Um fenômeno que, segundo especialistas, é parte de um problema mais grave, que afeta não só a capacidade das famílias honrarem seus compromissos financeiros, mas todo o setor terciário, que é a estagnação da economia. Com mais de 13 milhões de desempregados, o Brasil ainda luta contra os efeitos de uma crise financeira iniciada em 2014.

O estado do Rio e os municípios produtores de petróleo, incluindo Campos, foram duplamente afetados devido ao declínio paralelo do preço do barril no mercado internacional, que caiu de US$ 140 em em setembro de 2008 para menos de US$ 50 em novembro de 2018 — no momento de fechamento desta reportagem, circulava em torno de US$ 70.

A desvalorização atingiu em cheio a cadeia produtiva de óleo e gás, causando fechamento de vagas direta e indiretamente ligadas ao setor.

O emagrecimento das verbas 12 A 18 DE MAIO DE 2019 de royalties e participações especiais fez a Prefeitura paralisar obras e romper contratos, o que afetou principalmente a construção civil — isso depois de já ter demitido, em 2013, 2,4 mil terceirizados. O resultado foi sentido principalmente pelo comércio, que viu o dinheiro em circulação diminuir.

“Trata-se de um circunstância conjuntural. O desemprego mina o rendimento da população, que passa a não poder arcar com suas contas ou não consumir. Com isso, as inscrições no SPC aumentam e as empresas não conseguem dar vazão aos estoques, que permanecem elevados. A saída é demitir, o que alimenta o ciclo”, explica o economista Alexandre Delvaux.
Vagas em baixa

Entre março de 2018 e março deste ano, foram admitidos no município 25.088 trabalhadores. No mesmo período, porém, foram 24.265 desligamentos. Com isso, o saldo foi de somente 823 vagas abertas em um período de 12 meses.

De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mantido pela secretaria de Trabalho, do Ministério da economia, Campos registrava, em janeiro de 2019, 68.366 vagas formais de emprego. Isso representa 14% da população de Campos, estimada pelo IBGE em 503.424. “É um índice muito baixo em relação à capital, que tem média de 40%, e até cidades da região, como São João da Barra, que chega a 26%. É mais baixo, também, que a média do estado, que é de 28%”, compara Delvaux.


Efeito da falta de crédito e de emprego é “devastador”, diz Delvaux (Foto: Carlos Grevi)

Endividamento

O número de pessoas com o nome negativado, porém, pode aumentar. De acordo com economista, “mais da metade das famílias estão endividadas e são candidatas a serem negativadas no futuro”, diz.

O resultado seria a ampliação da crise. “Quem está com dívidas, mesmo que consiga honrá-las, tem seu poder de compra reduzido. Deixando de comprar, ele alimenta este quadro que estamos descrevendo”, garante Delvaux.

O economista afirma que o endividamento é resultado de uma política de “crédito indiscriminado”.

“Estamos vindo de um período em que os governos estimularam a economia a partir do consumo, alimentado pela concessão de crédito indiscriminado. Isso comprometeu os orçamentos das famílias com parcelas de financiamentos”, defende.
Bola de neve

Os efeitos gerados pelo desemprego e o endividamento na economia local são “devastadores”, avalia Delvaux.

“É uma daquelas situações em que se pensa pensa que o mercado vai resolver, reduzindo o preço dos produtos e serviços diante da queda na procura, mas não é o que acontece. O mercado não vai resolver isso”.

A solução deve ser fruto de planejamento e de políticas públicas. “É um problema difícil, que só se resolve com reversão da expectativa ou com a recuperação do crédito das famílias, o que leva tempo. É necessário que as autoridades, o setor produtivo, as cabeças pensantes se sentem juntos e tracem um plano de ação para debelar essa crise”.
Cadastro positivo recompensa adimplência com juros mais baixos

Recentemente, o CEO da Serasa Experian e da Serasa Experian América Latina, José Luiz Rossi, afirmou, em entrevista ao UOL, que, em sua avaliação, “o brasileiro não é caloteiro, e a inadimplência acontece, independentemente de ser rico ou pobre, porque há descontrole financeiro”. O cadastro positivo foi criado em 2013 como uma forma de ajudar a recuperar o poder de compra dos consumidores que saíram do cadastro das empresas especializadas em análise de crédito e a recompensar a adimplência.

Trata-se de uma espécie de contraponto à negativação, um banco de dados formado por pessoas com bom histórico de pagamentos. A iniciativa vem estimular a concessão de crédito e pode resultar em juros mais baixos. Com a sanção, em abril, de uma lei que muda o Cadastro Positivo, a inscrição, que antes deveria ser requisitada, passa a ser automática. A partir de outubro, bancos e outras instituições financeiras poderão incluir o nome de consumidores nessa lista sem consulta prévia.

“No longo prazo, em sociedades nas quais o cadastro positivo está implementado, há uma redução do custo do dinheiro e um aumento do crédito. Acreditamos que o crédito no Brasil, que hoje está em 45% do PIB, possa chegar a 67% do PIB com o advento do cadastro positivo. Melhorando essa situação em que o custo do dinheiro é muito alto”, finaliza Rossi.
Fonte:Terceira Via

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