sexta-feira, 2 de agosto de 2019

MPF denuncia ex-delegado do DOPS por incineração de 12 cadáveres durante a ditadura

Entre os anos de 1973 e 1975, os cadáveres foram destruídos por Cláudio Antônio Guerra na Usina Cambaíba, em Campos


O ex-delegado do DOPS, Cláudio Antônio Guerra, em frente a um dos fornos da Usina Cambaíba. (Foto: Comissão Nacional da Verdade/Divulgação)

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), Cláudio Antônio Guerra, de 79 anos, pela ocultação e destruição de 12 cadáveres, entre os anos 1973 e 1975. De acordo com o órgão, os corpos foram incinerados em fornos da Usina Cambaíba, em Campos. Entre eles estariam os restos mortais de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que teria desaparecido após ser preso por agentes do DOI-CODI em 1974, e cuja morte foi colocada em dúvida no último dia 29 pelo presidente Jair Bolsonaro.

O MPF cita os depoimentos dados por Guerra e reunidos no livro “Uma Guerra Suja”, nos quais o ex-delegado relata ter recolhido, no imóvel conhecido como “Casa da Morte”, em Petrópolis, e no Destacamento de Operação de Informação e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), na Tijuca, os corpos de 12 pessoas, levando-os para Campos, onde foram destruídos na Usina Cambaíba.

Para o MPF, Guerra agiu por motivo torpe, usando do aparato estatal para preservação do poder contra opositores ideológicos, e visando assegurar a execução e sua impunidade, com abuso do poder inerente ao cargo público que ocupava. “Assim, com o objetivo de assegurar a impunidade de crimes de tortura e homicídio praticados por terceiros, com abuso de poder e violação do dever inerente do cargo de delegado de polícia que exercia no Estado do Espírito Santo, foi o autor intelectual e participante direto na ocultação e destruição de cadáveres de pelo menos 12 pessoas, nos anos de 1974 e 1975”, argumenta o procurador da República Guilherme Garcia Virgílio, autor da denúncia.

Além da condenação, o MPF pede o cancelamento de eventual aposentadoria ou qualquer provento de que disponha o denunciado em razão de sua atuação como agente público, “dado que seu comportamento se desviou da legalidade, afastando princípios que devem nortear o exercício da função pública”.

Provas — A confirmação nominal dos corpos levados por Guerra para incineração ocorreu em diversos depoimentos prestados à Procuradoria da República no Espírito Santo (PR/ES.) Além da confissão, “testemunhas e documentos confirmaram a autenticidade dos relatos”, segundo o MPF.

As doze pessoas citadas pelo ex-delegado constam da lista de 136 pessoas dadas por desaparecidas da Lei n° 9.140 de 1995, que “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979”.

De acordo com o MPF, os crimes praticados pelo ex-delegado na são beneficiados pela Lei da Anistia. “Não importa sob que fundamentos ou inclinações poderiam pretender como repressão de ordem partidária ou ideológica, sendo certo que a destruição de cadáveres não pode ser admitida como crime de natureza política ou conexo a este”, pontua o órgão.

O MPF destaca, ainda, que “sentença prolatada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund versus Brasil, em 24 de novembro de 2010, estabeleceu para o país a obrigação de investigar não apenas o episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia, mas também outros episódios de igual natureza, visando a identificação dos autores materiais e intelectuais do desaparecimento forçado de pessoas, não se aplicando, a esses casos, a Lei da Anistia, tendo em vista o caráter permanente de crimes que, por constituírem crime de lesa-humanidade, não são abrangidos pelo ordenamento doméstico, seja por anistia ou por prescrição”.


Reconstituição mostra como corpos eram incinerados. (Foto: Letícia Bucker/G1)

Incineração dos corpos — Em seu depoimento, Guerra relatou haver preocupações por parte dos coronéis do Exército Freddie Perdigão e Paulo Malhães, na medida em que os corpos daqueles que eram eliminados pelo regime acabavam descobertos, o que movimentava a imprensa nacional e internacional.

O ex-delegado, que hoje é pastor da Assembleia de Deus, os corpos eram lançados em rios, já que, no mar, “a onda traz de volta”. Segundo ele, uma das estratégias usadas para sumir com os corpos consistia em arrancar parte do abdômen das vítimas, evitando-se, com isso, a formação de gases que poderiam fazer com que o corpo emergisse.

Em depoimento, Guerra contou que sugeriu o uso dos fornos da Usina Cambaíba, em Campos, como forma de eliminação sem deixar rastros, uma vez que já utilizava a usina e seus canaviais para desova de “criminosos comuns do Espírito Santo”, em razão de sua amizade com o proprietário.

O ex-delegado relatou que encostava o carro no portão da Casa da Morte e recolhia, “com dois ou três militares”, os corpos em sacos plásticos. Ao chegar à Usina, os corpos eram transferidos para outro veículo, levados até os fornos e lançados ao fogo. Guerra afirma que o odor dos corpos não chamava atenção por causa do forte cheiro do vinhoto que havia na região.

Em 19 de agosto de 2014, foi feita uma reconstituição no local, com a presença de Guerra, durante a qual foi constatado que a abertura dos fornos era suficientemente grande para entrada de corpos humanos.

Fonte:Terceira Via 

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