Em nota técnica, grupo de trabalho multidisciplinar que a UFRJ criou para o enfrentamento da Covid-19 pede ação rápida contra a epidemia
(Foto: Arquivo/Carlos Grevi)
A reversão na tendência de queda dos casos e mortes por coronavírus, que já há três semanas voltaram a subir no Brasil, requer que autoridades públicas revejam planos de abertura. No caso do Rio, especialistas já falam em “fechamento de praias”, “cancelamento de eventos” e nas medidas draconianas de “lockdown”.
Essas três expressões constam de uma nota técnica divulgada anteontem à noite pelo grupo de trabalho multidisciplinar que a UFRJ criou para o enfrentamento da Covid-19. No documento, os autores pedem ação rápida contra a epidemia.
Em São Paulo, onde também já desponta o que se apelidou de “segunda onda” ou “repique”, o governo estadual decretou, um dia depois das eleições, uma ligeira alteração no estado de alerta para a pandemia, da fase verde para a amarela.
Na prática, reduz-se de 60% para 40% a ocupação dos estabelecimentos, como bares e restaurantes, que poderão funcionar até 22h.
“Essa medida não fecha comércio, nem bares nem restaurantes. A fase amarela não fecha atividades econômicas, mas é mais restritiva nas medidas para evitar aglomerações e aumento do contágio da Covid-19. Essa mudança não altera programação de volta às aulas, e as escolas não serão fechadas” disse o governador João Doria, em entrevista.
Preocupação nacional
No Rio, o recrudescimento da pandemia nem sequer inspirou anúncio de mudança. O “repique” varia conforme o lugar, mas além de Rio e São Paulo já há estados em todas as regiões do país com reversão da tendência de queda, incluindo Pará, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Pernambuco. No cenário geral do Brasil, já há alta de casos e mortes persistindo por três semanas.
Mesmo em São Paulo, que já anunciou novas medidas, infectologistas dizem que a reação do poder público ainda é insuficiente.
“Como foi feito, é tardio e tímido”, afirma o diretor da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), Evaldo Stanislau de Araújo. — Da maneira como está sendo conduzido, logo após uma campanha eleitoral, que o que mais teve foi aglomeração, é, no mínimo, hipócrita. Se não há como fiscalizar mais e proibir aglomerações, então temos de fechar nos horários de pico todos os estabelecimentos não essenciais.
Críticos destacaram que, no dia 13 de novembro, Doria postou em seu Twitter que não iria endurecer as medidas de combate à pandemia após as eleições: “Mais um absurdo que estão inventando”, escreveu. O anúncio de reversão do estado à fase amarela ocorreu dia 16, logo após as eleições.
Efeito eleição
No Rio, o efeito da eleição sobre a política deve ser mais grave, dizem médicos. Segundo o infectologista Roberto Medronho, um dos autores da nota técnica da UFRJ pedindo medidas mais efetivas de contenção da epidemia, existe entre gestores públicos uma impressão equivocada de que o “repique” não tem gravidade.
“Não teremos tantos casos, mas teremos casos suficientes para fazer o sistema colapsar e pessoas morrerem sem atendimento”, disse o médico. “Desde a semana epidemiológica 42 (11 a 17 de outubro), o município tem um aumento sustentado, e a estrutura de saúde está na prática colapsada. São 93,5% dos leitos Covid-19 do SUS ocupados. Estamos com uma média de 3 mil a 4 mil casos semanais, um absurdo”.
A cientista política da USP Lorena Barberia, do coletivo Observatório Covid-19 BR, afirma que, a exemplo de São Paulo, em muitos municípios a campanha eleitoral inspirou atraso das autoridades públicas em reconhecer o recrudescimento da Covid-19.
“Em todo o mês de novembro ficamos sem discutir e sem reavaliar o risco da pandemia”, afirma a professora. “A OMS e outros órgãos de saúde recomendam a reavaliação a cada duas semanas, no mínimo, para saber onde tem regiões importantes de surtos”.
Em entrevista à Globonews, o prefeito reeleito de São Paulo, Bruno Covas, negou que a campanha tenha influenciado a política para contenção da Covid-19.
“O município sempre foi muito mais cauteloso na liberação de atividades. Em nenhum momento nos pautamos por calendário eleitoral. O mais fácil seria a prefeitura não ter participado dessas discussões. Mas sempre se envolveu e sempre vamos atuar de acordo com as orientações da vigilância sanitária”, disse ontem, sem comentar as restrições que o estado já havia anunciado. — Cancelamos os eventos de fim de ano e mantemos que na cidade de São Paulo não há espaço para um discurso alarmista de que teremos um novo lockdown, e nem espaço para dizer que a pandemia já acabou.
Dezembro crucial
Em cidades onde prefeitos não se reelegeram ou a oposição eleita não dialoga com a situação, a falta de entrosamento entre gestões preocupa especialistas.
“É muito perigoso esse vazio de liderança em dezembro levar a gente a chegar em janeiro já com situação explosiva da pandemia”, afirma Barberia, da USP.
Para Medronho, da UFRJ, um dos desafios a serem enfrentados pelos gestores é convencer a sociedade a dar um passo atrás nas medidas de reabertura da economia que estão em vigor.
“Acontece que a sociedade está exausta; os profissionais de saúde, esgotados; a economia, quebrada; e desmobilizamos a estrutura criada para atender os doentes sem ter sequer um plano de remobilização. O Brasil é um país sem planos nesta pandemia”, disse.
Fonte: O Globo
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