Doses das vacinas da Moderna, da Pfizer e da AstraZeneca Foto: THOMAS KIENZLE/AFP/Rafael Garcia
Com o surgimento de variantes do novo coronavírus, cientistas estão preocupados em saber o quanto elas serão capazes de escapar da proteção gerada pelas vacinas já existentes contra a Covid-19. Para entender como pesquisadores e a indústria estão se preparando no caso de isso acontecer, o EXTRA conversou com dois imunologistas: o brasileiro Ricardo Gazzinelli, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e a americana Laura Walker, da empresa de biotecnologia Adimab. Com base no que eles disseram, montamos esse “perguntas e respostas” para tirar dúvidas.1. Por que novas variantes podem se esquivar da imunidade criada pelas vacinas?
Vacinas são como partículas “fantasiadas” de vírus que ensinam o sistema imune a reconhecer o patógeno e o estimulam a atacá-lo. Quando surge uma variante do vírus, pode ser que suas diferenças comprometam esse reconhecimento. A principal característica do Sars-CoV-2 (vírus causador da Covid-19) imitada pelas vacinas é a proteína spike (espícula). Ela é o antígeno, molécula que estimula o sistema imune a reagir, enviando anticorpos para atacá-la.
2. Como é monitorada a resposta das vacinas às variantes?
Pesquisas in vitro estão simulando a imunogenicidade a diferentes cepas do vírus em laboratório. Além disso, pessoas que receberam diferentes vacinas são monitoradas. Laura Walker estudou como a imunidade gerada pela versão original do Sars-CoV-2 se saiu contra as novas cepas.
— Vimos que mais da metade dos anticorpos não reconheceu a proteína espícula das variantes que emergiram na África do Sul e no Brasil — afirma a pesquisadora da empresa Adimab.
Estudos que acompanham os vacinados, no entanto, ainda são poucos e não possuem repostas definitivas.
3. Se a vacina não responder à variante, o que pode ser feito?
Seria necessário mudar o antígeno da vacina. Para isso, uma mesma “plataforma” (a estrutura básica de produção da vacina) pode ser mantida, e são trocadas as amostras de vírus nas quais ela se baseia. “A tecnologia da plataforma pode ser adaptada conforme necessário”, informou em comunicado a AstraZeneca, cuja vacina se mostrou menos eficaz contra a variante sul-africana. “Isso seria testado em estudos pré-clínicos e, em seguida, em pequenos ensaios de imunogenicidade antes de ser submetido à revisão regulatória”.
4. Quais vacinas podem ser corrigidas de maneira mais prática para capturar as variantes?
As vacinas que usam como antígeno apenas o RNA, material genético do vírus, são as mais fáceis de se adaptar. É o caso da desenvolvida pela Pfizer, que cogita criar formulação para uma terceira dose, uma estratégia para combater também as novas cepas. “Vamos avaliar a aplicação de mais um ‘booster’ no regime atual da vacina e nos preparar para uma adaptação rápida da vacina contra novas variantes”, afirmou Ugur Sahin, presidente da BioNTech, parceira da Pfizer no desenvolvimento da vacina. Vacinas como a CoronaVac, porém, usam um vírus inteiro inativado (morto) como antígeno. Nesse caso, seria preciso produzir o ingrediente ativo da vacina com amostras das novas variantes do Sars-CoV-2. É um processo que para as vacinas contra a gripe já é feito anualmente. Para a vacina Oxford/AstraZeneca, o processo de adaptação pode ser mais complicado. Esse imunizante é feito de um adenovírus, um outro gênero de patógeno, que é modificado para carregar a proteína espícula do coronavírus. Seria preciso recriar essa criatura híbrida.
5. É possível uma vacina só combater várias variantes, incluindo as que ainda surgirem?
Em princípio, sim. Para obter essa proteção mais robusta, é preciso escolher como antígeno uma proteína do vírus que esteja associada a um trecho do genoma do Sars-CoV-2 pouco propenso a sofrer mutações. Uma vacina experimental no laboratório de Ricardo Gazzinelli teve bom resultado em cobaias utilizando justamente essa estratégia.
— Estamos trabalhando em uma vacina que inclui parte da proteína N, do núcleo capsídeo do vírus, a mais abundante dele — conta o imunologista da Universidade Federal de Minas Gerais.
Outras vacinas que buscam o mesmo objetivo, porém, também estão ainda em fase pré-clínica de pesquisa.
6. Quando tomar a decisão sobre trocar a vacina em uso?
A decisão de mudar a fórmula de uma vacina pode atrasar a produção de um imunizante e precisa ser tomada com cautela. Talvez as novas variantes atrapalhem a eficácia geral das vacinas contra reinfecção, mas o imunizante continua protegendo contra a forma grave da doença. Nesses casos, o transtorno de trocar o antígeno pode não valer a pena.
— Eu acredito que a maioria das vacinas ainda vai continuar protegendo contra doença severa — diz Laura Walker.
Em seu último estudo, ela analisou as células B, importantes para a memória do sistema imune, para ver como elas reagem à introdução da variante identificada inicialmente em Manaus — que já está em circulação no Rio de Janeiro — após terem memorizado a versão clássica da Covid-19. Cerca de 30% das células conseguiram reconhecer o novo subtipo do patógeno, o que talvez seja suficiente.
— A mensagem mais importante, agora, é que as pessoas precisam se vacinar — diz a cientista, até porque a versão clássica da Covid-19 ainda é a responsável pela maior parte das infecções na pandemia.
Fonte Extra
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