sábado, 19 de junho de 2021

Migração de bandidos para o Rio se acentuou com alianças entre facções em presídios federais

Mano Kaio é apontado como responsável por comandar ataques em Manaus; postagem em rede social feita no Rio Foto: Reprodução/Carolina Heringer

Acordos firmados entre chefes de diferentes facções do país em presídios federais de segurança máxima contribuíram para o aumento da migração de criminosos para o Rio. Dados de serviços inteligência obtidos pelo EXTRA apontam que as alianças fortaleceram a maior facção criminosa fluminense em outros estados do país e acabaram atraindo traficantes principalmente para favelas da Região Metropolitana do Rio, que são usadas como verdadeiros bunkers pelos bandidos. Nessa sexta-feira, as polícias do Rio, do Pará, do Amazonas e de São Paulo fizeram uma operação conjunta para prender traficantes do Norte que vieram se esconder no Rio, alguns deles ligados a ataques ocorridos em Manaus no início deste mês.

Dados de serviços de inteligência e investigações revelam a presença, no Rio, de criminosos de pelo menos sete estados — Amazonas, Pará, Ceará, Alagoas, Bahia, Sergipe e Espírito Santo. Os principais locais escolhidos por esses bandidos são comunidades e complexos de favelas nos quais a polícia encontra maior dificuldade para entrar, devido ao alto poderio bélico das traficantes. Nesta sexta, a operação ocorreu nos Complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte.

A vinda de criminosos de outros lugares coincide com um fortalecimento da principal facção fluminense em outras unidades da federação. No Amazonas, o movimento teve início em 2012, quando Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, se aliou a um traficante daquele estado, Gelson Lima Carnaúba, no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. Na ocasião, a facção do Rio passou a ser aliada àquela que dominava o Amazonas. Entre o fim de 2017 e o início de 2018, em um novo pacto, foi criada uma célula da facção fluminense no Amazonas, passando a atuar de forma independente.

Apontado como um dos chefes do tráfico em Manaus, Kaio Wuellington Cardoso dos Santos, conhecido como Mano Kaio, é um dos traficantes amazonenses que estão no Rio, mais precisamente no Complexo da Penha. Ele já havia passado por São Gonçalo e chegou a se exibir em redes sociais, mostrando sua localização no município. De acordo com as investigações da Polícia Civil do Amazonas, Mano Kaio é o responsável pelos ordens dos ataques a Manaus no início do mês.

Em 2017, Mano Kaio chegou a ser preso numa casa em Rio das Ostras, na Região dos Lagos. Levado para o Amazonas, acabou fugindo da cadeia e retornou para o Rio. De acordo com investigadores, associado ao tráfico da Penha, ele negocia armas e drogas utilizando uma rota no Norte que cruza o Rio Solimões e chega à Colômbia.

O delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário de Planejamento de Integração Operacional, afirma que o contato entre detentos de diferentes estados nos presídios federais criou um novo problema de segurança pública.

— Os presídios federais cumpriram seu papel de isolar criminosos de seus estados de origem, mas permitiram esse intercâmbio. Alguns bandidos de fora passaram a se esconder em áreas de difícil acesso no Rio, que é o berço da facção que vem se expandindo — diz Oliveira

Movimento semelhante no Pará

No Pará, houve movimento semelhante ao do Amazonas. A maior facção criminosa do Rio sequer existia no estado. Em 2010, Alberto Bararuá de Alcântara, conhecido como Beto Bararuá, também firmou acordo com traficantes do Rio no presídio de Catanduvas, passando a integrar a facção fluminense. Em dezembro daquele ano, ele foi transferido junto com outros nove presos, sob suspeita de ter se aliado aos criminosos do Rio.

Em 2015, considera-se que a facção fluminense foi oficialmente criada no Pará, após questionamentos sobre a atuação de uma quadrilha paulista, que detinha a maior parte dos territórios do estado.

Nos últimos três anos, a facção do Rio se fortaleceu no Pará, estando presente em praticamente todos os municípios, à exceção de Marabá e Altamira. Em apreensões feitas pela Polícia Civil do Pará, investigadores já encontraram, em aparelhos celulares de traficantes, grupos de WhatsApp reunindo bandidos paraenses e fluminenses.

Em 2019, foram presos, no estado, seis paraenses suspeitos de terem se associado ao tráfico fluminense. Alguns deles também foram acusados de envolvimento em um roubo a uma joalheria de Ipanema, na Zona Sul carioca. Policiais capturaram integrantes do grupo no Complexo da Penha e num acesso à Rocinha.

Hoje, há outros sendo investigados. Segundo dados de inteligência obtidos pelo EXTRA, um dos criminosos que estão no Rio é Leonardo Costa Araújo, o L 41, que chefia o braço de uma facção fluminense no Pará. Acredita-se que ele está escondido no Complexo da Penha.

Em outro conjunto de favelas, o da Maré, dois traficantes do Espírito Santo se esconderam de policiais de seu estado. Luan Gomes Faria e Fernando Moraes Pimenta vieram ao Rio para comprar armas e drogas. Segundo investigadores, eles se aliaram a uma quadrilha que é rival da maior facção fluminense. Ambas disputam território no complexo.

Perto dali, na Favela do Mandela, em Manguinhos, há informações de serviços de inteligência sobre a presença do baiano Manoaldo Falcão Costa Junior, conhecido como Gordo Paloso. Ele é considerado um dos principais chefes do tráfico no Sul da Bahia e estaria associado à quadrilha local.

Em março, a polícia do Rio prendeu um dos chefes do tráfico na Bahia em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Edvaldo Marques Teixeira Júnior foi encontrado numa casa, onde vivia com a família.

Tropa do Lampião em São Gonçalo


Na cidade de São Gonçalo, entre o fim de 2020 e o começo deste ano, criminosos da comunidade do Anaia passaram a contar com o reforço de um grupo de bandidos cearenses conhecido como Tropa do Lampião. Dispostos a investir em armas e atuar em roubo, principalmente de cargas, eles deram apoio à maior facção criminosa do estado em uma guerra para tomar o Complexo da Alma.

— Estão arregimentando pessoas de outros estados para atuar no crime aqui, em São Gonçalo. Atraem geralmente bandidos com diversas passagens pela polícia. Esses criminosos de fora atuam de forma bastante beligerante e portam armas de grosso caibre durante ações do tráfico e em roubos. São criminosos contumazes — analisa o delegado titular da 72ª DP (São Gonçalo), Allan Duarte.

Pelo menos quatro integrantes da Tropa do Lampião foram mortos em operações realizadas no mês passado, entre eles José Erasmo de Souza Filho, o Bigode, um dos chefes do grupo. De acordo com a Polícia Civil do Ceará, ele integrava o comando de uma facção de Fortaleza quando decidiu vir para o Rio.

Ainda segundo a polícia cearense, a Tropa do Lampião foi uma denominação criada pelos próprios bandidos oriundos do Ceará. Um participante do grupo, Max Miliano Machado da Silva, fugiu para o Pará após passar pelo Rio e acabou sendo preso em um apartamento na capital Belém.
Fonte Extra

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