Ala tradicionalista católica de Campos reage a orientações do Papa Francisco em suprimir missas em Latim em liturgia
POR OCINEI TRINDADE(Foto: Divulgação/Diocese de Campos)
Desde a sua fundação, a Igreja Católica enfrenta conflitos. Um dos mais recentes envolve decisão do Papa Francisco que busca integrar fiéis e padronizar ritos litúrgicos. Para tanto, decidiu minimizar o uso do Latim em cerimônias, preferindo o idioma local. Porém, caberia ao bispo de cada diocese autorizar o uso da língua histórica e tradicional, defendida sobretudo por católicos ultraconservadores ou tradicionalistas contrários ao Vaticano. Campos dos Goytacazes já foi palco de ruptura entre católicos em 1981. Muitos rejeitaram as mudanças propostas pelo papado da época.
A decisão do Papa Francisco em reprimir a missa em Latim foi divulgada no último dia 16, revertendo uma das decisões do Papa Bento XVI. Muitos católicos tradicionalistas consideraram a medida um ataque à antiga liturgia. As restrições de Francisco seriam para conter a divisão na Igreja promovida por católicos que se opõem ao Concílio Vaticano II. A cidade de Campos imprime um pouco do divisionismo católico. Além da Diocese de Campos, há a Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, e a ala mais radical chamados de tradicionalistas.
De acordo com o bispo da Diocese de Campos, Dom Roberto Ferrería Paz, o Papa Francisco restringiu o rito latino extraordinário para manter a unidade.
“Nós não podemos sob a alegação de que queremos rezar um rito, desconhecer o que foi a reforma do Concílio Vaticano II. Este foi uma nova primavera, um Pentecostes da Igreja Católica. A inculturação da fé não se limita a uma língua, ao vernáculo. É também uma linguagem simbólica, a participação do povo; é também o acesso da mulher. São várias questões que o Concílio do Vaticano trouxe, entre elas a descentralização da Igreja, a importância do bispo diocesano, o laicato. O rito extraordinário defendido de uma forma ideológica, que é em si o missal extraordinário de 1962 não tem nada de equivocado naquele momento. Eles estão fazendo um uso ideológico, justamente do missal de 1962, para opor-se ao Vaticano II e as reformas trazidas por esse Concílio de renovação profunda da Igreja, da pastoral”, disse.
Dom Fernando Rifan
Para o bispo Dom Fernando Rifan, líder da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, o Papa Francisco tratou do assunto da liturgia romana, antes da Reforma de 1970. “Para promover a concórdia e a paz na Igreja, a paz litúrgica, os Papas João Paulo II e Bento XVI regulamentaram a faculdade de se usar o missal antigo, chamado de tradicional, editado pelo Papa João XXIII em 1962. Eles queriam facilitar a comunhão eclesial àqueles católicos que eram apegados a essas formas litúrgicas anteriores”. Fernando Rifan disse que a principal modificação promovida por Francisco é a entrega ao bispo de cada Diocese a competência para autorizar o uso do missal romano antigo em cada região. “Claro que nós católicos acatamos a orientação do Papa Francisco. Porém, esta intervenção foi provocada pelos abusos de muitos chamados tradicionalistas que não observaram aquilo que o Papa Bento XVI queria, a missa de forma como comunhão da Igreja. Passaram a atacar o Papa, o Concílio”, comentou.
Igreja dividida
Para os leigos, é difícil compreender uma cidade como Campos ter dois bispos católicos. Para Roberto Ferrería Paz, a Diocese conta com um apenas, ele mesmo.
“Quem cuida da Diocese e do território é um só: eu. Dom Fernando Rifan, um amigo, um irmão, é bispo nomeado pelo Papa para uma circunscrição e uma administração pessoal. Ele tem jurisdição apenas sobre essas pessoas que pertencem a esse rito, e que querem permanecer nele. São duas circunscrições diferentes. Eu tenho jurisdição sobre eles também. Não são iguais os dois bispos. A Diocese de Campos é uma só. Claro que há certa confusão, por serem dois bispos. Explicar isso para as pessoas é difícil, pois o cisma ainda é muito recente, foi de 1981 a 2000. Houve a paz aqui com a criação da Administração Apostólica São João Maria Vianney. Foi a saída para a crise”, disse Dom Roberto.
Para o bispo Dom Fernando Rifan, líder da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, o Papa Francisco tratou do assunto da liturgia romana, antes da Reforma de 1970. “Para promover a concórdia e a paz na Igreja, a paz litúrgica, os Papas João Paulo II e Bento XVI regulamentaram a faculdade de se usar o missal antigo, chamado de tradicional, editado pelo Papa João XXIII em 1962. Eles queriam facilitar a comunhão eclesial àqueles católicos que eram apegados a essas formas litúrgicas anteriores”. Fernando Rifan disse que a principal modificação promovida por Francisco é a entrega ao bispo de cada Diocese a competência para autorizar o uso do missal romano antigo em cada região. “Claro que nós católicos acatamos a orientação do Papa Francisco. Porém, esta intervenção foi provocada pelos abusos de muitos chamados tradicionalistas que não observaram aquilo que o Papa Bento XVI queria, a missa de forma como comunhão da Igreja. Passaram a atacar o Papa, o Concílio”, comentou.
Igreja dividida
Para os leigos, é difícil compreender uma cidade como Campos ter dois bispos católicos. Para Roberto Ferrería Paz, a Diocese conta com um apenas, ele mesmo.
“Quem cuida da Diocese e do território é um só: eu. Dom Fernando Rifan, um amigo, um irmão, é bispo nomeado pelo Papa para uma circunscrição e uma administração pessoal. Ele tem jurisdição apenas sobre essas pessoas que pertencem a esse rito, e que querem permanecer nele. São duas circunscrições diferentes. Eu tenho jurisdição sobre eles também. Não são iguais os dois bispos. A Diocese de Campos é uma só. Claro que há certa confusão, por serem dois bispos. Explicar isso para as pessoas é difícil, pois o cisma ainda é muito recente, foi de 1981 a 2000. Houve a paz aqui com a criação da Administração Apostólica São João Maria Vianney. Foi a saída para a crise”, disse Dom Roberto.
Igreja Nossa Senhora do Carmo
Fernando Rifan menciona Roberto Ferrería Paz. “Ele é nosso Bispo Diocesano. Procuramos conviver em paz com os irmãos, sem preconceitos e discriminações injustos em relação a cristãos de outras denominações também. Minha relação com o bispo é de perfeita comunhão, como católicos da mesma Igreja, em relação de paz e amizade, e mútua colaboração. A convivência pacífica e mútua colaboração entre as duas alas da Igreja Católica são exemplo para todo mundo, Igreja e sociedade”, resume Rifan.
Entretanto, é sabido que os católicos tradicionalistas mais radicais não aprovam maior proximidade com moderados e progressistas. O uso do Latim em rituais litúrgicos é apenas um fator que divide os adeptos da fé católica. Para o sociólogo e doutor em Teologia, Fábio Py, o Latim é uma língua litúrgica e processual nos documentos da Igreja.
“Ela serve para certos momentos específicos, mas vem perdendo força. Tem havido a utilização dos vernáculos particulares. Nesse caso, no Brasil, o Português. Mesmo que se tenha em alguns momentos o uso do Latim, vem-se apelando e indicando as traduções. Por isso a tentativa de Francisco de se garantir as línguas faladas. Há uma dificuldade, já que o Latim foi encerrado há séculos como língua falada”, comenta.
Fernando Rifan menciona Roberto Ferrería Paz. “Ele é nosso Bispo Diocesano. Procuramos conviver em paz com os irmãos, sem preconceitos e discriminações injustos em relação a cristãos de outras denominações também. Minha relação com o bispo é de perfeita comunhão, como católicos da mesma Igreja, em relação de paz e amizade, e mútua colaboração. A convivência pacífica e mútua colaboração entre as duas alas da Igreja Católica são exemplo para todo mundo, Igreja e sociedade”, resume Rifan.
Entretanto, é sabido que os católicos tradicionalistas mais radicais não aprovam maior proximidade com moderados e progressistas. O uso do Latim em rituais litúrgicos é apenas um fator que divide os adeptos da fé católica. Para o sociólogo e doutor em Teologia, Fábio Py, o Latim é uma língua litúrgica e processual nos documentos da Igreja.
“Ela serve para certos momentos específicos, mas vem perdendo força. Tem havido a utilização dos vernáculos particulares. Nesse caso, no Brasil, o Português. Mesmo que se tenha em alguns momentos o uso do Latim, vem-se apelando e indicando as traduções. Por isso a tentativa de Francisco de se garantir as línguas faladas. Há uma dificuldade, já que o Latim foi encerrado há séculos como língua falada”, comenta.
Para o historiador e doutor em Sociologia, José Fernando Rodrigues, Campos é um dos últimos redutos fortes dos católicos tradicionalistas no Brasil.
“Toda essa divisão dentro da Igreja Católica demonstra a preocupação de questões internas e endógenas. Seja pela liturgia, seja pela prática da fé ou pela questão dogmática. Isto faz com que a Igreja Católica não atue onde está a pobreza e as populações mais humildes; onde não tem Igrejas em algumas comunidades, não tem ‘a palavra da fé’. Nessas horas, o mundo evangélico neopentecostal consegue atuar com muito mais velocidade, com mais competência. Quando se olha só os próprios botões, esquece-se de ‘sair da casa’”, avalia.
Fábio Py
De acordo com os dois estudiosos, o divisionismo católico demonstra falta de unidade. “É uma raridade ver numa cidade dois bispos. Isto ocasionou basicamente por causa dos tradicionalistas. Afirmaram o uso da batina, da vulgata, de certos rituais mais antigos. As antigas elites campistas, as aristocracias rurais se transformaram em lideranças urbanas, identificadas com o passado do Brasil”, diz Fábio Py.
José Fernando especula sobre o futuro da insituição. “O Brasil é cada vez mais evangélico. O divisionismo dos bispos em Campos é um problema. Trata-se de uma fissura, de uma cisão. Vejo que cada vez mais esses grupos conservadores vão querer se isolar”, considera.
O bispo da Diocese de Campos, Dom Roberto Ferrería Paz, é mais otimista. “Eu não diria que estamos em crise. Há conflitos, sim. A Igreja Católica teve cismas muito mais sérios. Precisamos de cristãos definidos. Claro, não intolerantes nem rígidos, inflexíveis, intransigentes, mas firmes e fortes na fé. Eu não sou contrário ao Latim. O rito extraordinário agora tem mais restrições. Não foi proibido. Francisco nos propõe ser uma Igreja missionária, servidora, misericordiosa, capaz de sonhar com um futuro diferente, inclusiva para toda humanidade”, afirma.
Latim em questão
Há mais de 40 anos a professora Edinalda Maria Almeida dedica-se aos estudos e ao ensino do Latim. Em meio à crise da instituição católica, ela defende a língua de todas as maneiras, dentro e fora da liturgia. “O Latim só pode ser considerado ‘língua morta’ do ponto de vista do status da língua, porque o estudo continua vivo em Cursos de Letras, Filosofia, Direito, entre outros. A importância do estudo do Latim funda-se na relevância histórica dessa língua que foi o veículo de quase toda a nossa cultura tradicional”, considera.
De acordo com os dois estudiosos, o divisionismo católico demonstra falta de unidade. “É uma raridade ver numa cidade dois bispos. Isto ocasionou basicamente por causa dos tradicionalistas. Afirmaram o uso da batina, da vulgata, de certos rituais mais antigos. As antigas elites campistas, as aristocracias rurais se transformaram em lideranças urbanas, identificadas com o passado do Brasil”, diz Fábio Py.
José Fernando especula sobre o futuro da insituição. “O Brasil é cada vez mais evangélico. O divisionismo dos bispos em Campos é um problema. Trata-se de uma fissura, de uma cisão. Vejo que cada vez mais esses grupos conservadores vão querer se isolar”, considera.
O bispo da Diocese de Campos, Dom Roberto Ferrería Paz, é mais otimista. “Eu não diria que estamos em crise. Há conflitos, sim. A Igreja Católica teve cismas muito mais sérios. Precisamos de cristãos definidos. Claro, não intolerantes nem rígidos, inflexíveis, intransigentes, mas firmes e fortes na fé. Eu não sou contrário ao Latim. O rito extraordinário agora tem mais restrições. Não foi proibido. Francisco nos propõe ser uma Igreja missionária, servidora, misericordiosa, capaz de sonhar com um futuro diferente, inclusiva para toda humanidade”, afirma.
Latim em questão
Há mais de 40 anos a professora Edinalda Maria Almeida dedica-se aos estudos e ao ensino do Latim. Em meio à crise da instituição católica, ela defende a língua de todas as maneiras, dentro e fora da liturgia. “O Latim só pode ser considerado ‘língua morta’ do ponto de vista do status da língua, porque o estudo continua vivo em Cursos de Letras, Filosofia, Direito, entre outros. A importância do estudo do Latim funda-se na relevância histórica dessa língua que foi o veículo de quase toda a nossa cultura tradicional”, considera.
Edinalda Maria Almeida é professora e pesquisadora da Língua Portuguesa (Foto: Reprodução)
Segundo a pesquisadora, ao se dedicar ao estudo do Latim, “é possível se conectar, de uma forma única, com os maiores conceitos e aprendizados da humanidade. É poder ler as prosas de Cícero, os diários de Júlio César e até mesmo as teorias de Isaac Newton no original”, destaca.
Apesar de não ser católica, ela admira os ritos católicos em Latim. “Gosto mesmo sendo o rito celebrado em Latim Eclesiástico. É possível compreender, principalmente, os cânticos, sem falar no quase absoluto e admirável silêncio. Mesmo admirando, creio que, na língua do povo, sem dúvidas, há maior participação e aproximação entre a Igreja e seus fiéis, em qualquer doutrina, possibilitando o exercício da eterna novidade do Evangelho: o Amor”, conclui.
Segundo a pesquisadora, ao se dedicar ao estudo do Latim, “é possível se conectar, de uma forma única, com os maiores conceitos e aprendizados da humanidade. É poder ler as prosas de Cícero, os diários de Júlio César e até mesmo as teorias de Isaac Newton no original”, destaca.
Apesar de não ser católica, ela admira os ritos católicos em Latim. “Gosto mesmo sendo o rito celebrado em Latim Eclesiástico. É possível compreender, principalmente, os cânticos, sem falar no quase absoluto e admirável silêncio. Mesmo admirando, creio que, na língua do povo, sem dúvidas, há maior participação e aproximação entre a Igreja e seus fiéis, em qualquer doutrina, possibilitando o exercício da eterna novidade do Evangelho: o Amor”, conclui.
José Fernando Rodrigues, historiador e doutor em sociologia
Fonte Terceira Via
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