domingo, 26 de setembro de 2021

Crianças nas ruas de Campos desafiam Prefeitura, Conselho Tutelar e Ministério Público

Há dois anos o Terceira Via publicou matéria sobre o assunto; ao voltar ao tema, revela que o problema ainda está longe de uma solução

POR OCINEI TRINDADE
Sinal de trânsito| Menino vende balas nas ruas de Campos (Foto: Carlos Grevi)

No fim de 2019, o Jornal Terceira Via publicou reportagem sobre a eleição do novo Conselho Tutelar e os desafios a serem enfrentados em Campos dos Goytacazes, em relação à infância e adolescência. Dois anos depois, os problemas referentes ao tema aumentaram, sobretudo a partir da pandemia de Covid-19. Mais crianças e famílias passaram a circular pelas ruas, pedindo dinheiro ou vendendo balas em semáforos. Conselheiros se queixam de más condições de trabalho. O Ministério Público tem acionado judicialmente a Prefeitura de Campos para resolver questões referentes ao órgão e às crianças nas ruas.
A conselheira tutelar Geovana Almeida está há oito anos na função (Foto: Silvana Rust)

A pandemia agravou a situação econômica de milhares de famílias. De acordo com o Ministério da Cidadania, com base no Cadastro Único, em Campos há 49 mil famílias em situação de extrema pobreza, vivendo com até R$89 por mês. Isto reflete ainda em violência doméstica e maior vulnerabilidade infantil, segundo a conselheira tutelar Geovana Almeida. “Sempre tivemos dificuldades no órgão, mas a pandemia trouxe ainda mais problemas para os conselheiros, para as famílias e para o governo”, diz.

A circulação de mais crianças pelas ruas nos últimos meses pode ser conferida em vários locais da cidade. Com as escolas fechadas e aumento do desemprego, muitos menores têm sido expostos ao trabalho infantil. Algumas são exploradas. No cruzamento de uma rua central, P., de nove anos, foi flagrado vendendo balas sozinho. Disse que vive com a mãe e o padrasto em Guarus. Está sem estudar, apesar de matriculado na 4ª série do ensino fundamental. “Vendo bala para ajudar em casa”, responde desconfiado.

No cruzamento da Avenida Pelinca com a Rua Barão da Lagoa Dourada, há quase dois meses uma mulher e quatro filhos pequenos vendem balas no sinal. Ela pede para não se identificar. Moradora do Parque Santa Rosa, recebe o Bolsa Família, mas diz que o benefício é insuficiente para manter as despesas da casa. Outra mulher que não quis se identificar mora em imóvel invadido na Rua do Ouvidor. Fugiu do tráfico de drogas na região da Baixada Campista. “Me cadastrei na Prefeitura para ter uma casa, mas não consigo nada. Vendo doces no sinal, recebo Bolsa Família de R$195, mas é pouco para cuidar da minha filha que tem menos de um ano”, conta.

Com oito anos de atuação no Conselho Tutelar (CT), Geovana Almeida afirma que há coisas que só o Poder Público Municipal pode fazer.
“Quando a gente avisa às mães que a criança não deve ficar no sinal, ela diz que não tem o que comer. Como resolver? O que o Município oferece para essas famílias? Uma cesta básica em dia marcado não resolve. Não temos muitas famílias na rua. Os problemas estão mapeados e identificados, mas o Município não resolve. O Ministério Público cobra ações da Prefeitura, alguns avanços acontecem. Não sei se o Município acha bonito essas crianças na rua e a culpa ser atribuída ao Conselho Tutelar. O CT requisita o serviço público em tudo. A saída é abrir escolas e os equipamentos municipais”, considera.
Lídia Cunha | Conselho tem limitações

Queixas dos conselheiros
Campos possui cinco sedes do Conselho Tutelar em diferentes regiões do Município. São 25 conselheiros ao todo, eleitos por votos populares da comunidade. O atual mandato termina em 2023. Lídia Cunha é um dos 16 novos conselheiros tutelares que assumiram em 2020. Há quase dois anos ela atua no CT de Guarus. Lidia diz que a função de abordar famílias na rua não é do Conselho Tutelar, mas do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), equipamento da Assistência Social, ou por serviços especializados do Centro Pop. “Nossas atribuições estão estabelecidas no artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Não executamos serviços, mas os requisitamos. O Conselho Tutelar aplica medidas protetivas. Cada instituição atua de acordo com funções estabelecidas em Lei”, diz.

O cumprimento de leis esbarra em alguns problemas, como relata a conselheira Mirian Faria. “Estamos com muita dificuldade em casa, pois encontramos uma sede sem condições mínimas de trabalho, no Jardim Carioca. Após acionarmos o Ministério Público, fomos alocados em outra sede do CT provisoriamente, mas estamos nesta situação há um ano e meio, e nada foi resolvido. A sede é pequena para duas equipes no mesmo espaço, traz muito prejuízo ao trabalho. O carro que temos é precário”.
Guarus | Mirian aponta falta de estrutura

A conselheira Ana Paula Guimarães diz que já enfrentou muitos riscos de acidentes com carros sem manutenção. “Um deles não marca a quilometragem. Até para abastecer é complicado. O CT é autônomo, apesar de estar ligado à Fundação Municipal da Infância e da Juventude. Não temos nada a ver com políticos e igrejas, apesar de alguns quererem influenciar nas atribuições do CT”.

Além de reclamações de estrutura, há queixas salariais. A carga horária de trabalho é de 30 horas semanais, além de plantões em fins de semana. O salário bruto R$2.867,00. A Prefeitura estabelece o valor, baseado na Lei Municipal 8419/2013 que ampara direitos e atribuições para os conselheiros. “Desde o início do ano não houve nomeação de coordenadores das unidades do CT para cuidarem das questões burocráticas e administrativas”, destaca Geovana Almeida.


Ministério Público em ações
A Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude de Campos dos Goytacazes afirma que os Conselhos Tutelares são órgãos autônomos de extrema relevância.

“Cabe à Fundação Municipal da Infância e Juventude a oferta de estrutura ao funcionamento dos Conselhos. Há em curso Inquéritos Civis para cobrar providências do poder público para sanar os principais problemas que afetam a qualidade do serviço ofertado à população, especialmente a ausência de sede própria para o CT II, a carência de pessoal de apoio administrativo para as funções burocráticas dos Conselhos e a precariedade dos veículos, fundamentais para a realização de diligências e visitas, especialmente nas regiões mais afastadas da área central”, destaca a promotora Anik Rebelo Assed.

Reuniões com integrantes do CT sobre o fluxo de assistência a crianças e adolescentes em situação de rua são constantes.

“Desde a última reunião realizada sobre o tema das crianças e adolescentes nas ruas, e a identificação do aumento do número, foi pactuada com o município a criação de uma força-tarefa entre a equipe da Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social e Conselhos Tutelares para identificação dos casos e providências. Outra medida adotada tem sido a busca pelo retorno do funcionamento de aulas presenciais, em modelo híbrido, das unidades da rede municipal de ensino, a fim de que os menores possam voltar ao ambiente escolar, assim como já ocorre com os alunos da rede estadual e da rede privada”, afirma a promotora.
Frota do Conselho Tutelar de Campos apresenta deficiência

Posição da Prefeitura de Campos

O presidente da Fundação Municipal da Infância e da Juventude, Fabiano de Paula, foi questionado sobre os problemas apontados pelo Ministério Público e pelo Conselho Tutelar. Segundo ele, com base no primeiro mandato do governo Wladimir Garotinho, “houve muitos avanços em relação ao ano de 2020”. Ainda segundo o secretário, devido a questões familiares, muitas crianças saem das ruas, mas acabam voltando por questões diversas.

De acordo com o governo, há atuação em conjunto com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social para o amparo e acolhimento das famílias em situação de rua e aplicação das medidas protetivas; e há reparos na maioria dos veículos que atendem os Conselhos Tutelares.

Sobre as queixas dos conselheiros, Fabiano informou que “A FMIJ, especificamente a atual Presidência, vem empenhando em promover os reparos na maioria dos veículos que atendem os Conselhos Tutelares. Apesar de todas as dificuldades financeiras, atrelado ao fato de que a utilização dos veículos é intensa, o que demanda rotineiros reparos e manutenção, a FMIJ tem conseguido suprir as necessidades e não deixa que nenhum dos Conselhos fique sem veículo para as diligências necessárias. Estamos em fase de finalização de locação de imóvel amplo que será a nova sede do Conselho Tutelar II, este que há aproximadamente 3 anos divide a sede com o Conselho Tutelar I. A nova sede irá oferecer mais conforto e qualidade do atendimento à população, conselheiros e demais funcionários. Também foram realizadas adequações na sede do Conselho Tutelar V para melhor atendimento às crianças, adolescentes e população geral que precisa do Conselho Tutelar”.

Em relação à ociosidade dos menores, o secretário informou que “as atividades lúdicas estão ocorrendo, de forma presencial, atendendo todos os protocolos de segurança, em todos os acolhimentos. Em paralelo, está sendo feito planejamento com os profissionais para que, de forma segura, sejam retomadas as atividades, na forma híbrida o quanto antes. Também ofertamos de forma online, diversos cursos para adolescentes: o Qualifica Jovem, que oferece Informática básica para 14 a 17 anos, Informática para documentos oficiais para 14 a 17 anos, Gastronomia para 14 a 17 anos, Programa SCFV, e programa Esporte Cidadão”.
Fonte: Terceira Via

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