domingo, 12 de setembro de 2021

Quase 190 mil campistas em busca de algum auxílio federal

Segundo Ministério da Cidadania, o total de inscritos no CadÚnico explodiu, saltando de 70.629 em agosto de 2020 para 187.900 no mesmo mês deste ano

POR OCINEI TRINDADE
Atendimento social começa no CRAS – Foto: Silvana Rust

Números do Governo Federal apontam o empobrecimento da população de Campos. Segundo a Secretaria do Desenvolvimento Social do Ministério da Cidadania, o total de campistas inscritos no Cadastro Único (CadÚnico) saltou de 70.629 em agosto de 2020 para 187.900 no mesmo mês deste ano — um aumento de 166%. A base de dados identifica famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza e é usada para implementar programas sociais e de transferência de renda, o que significa que, atualmente, 37% da população do Município, estimada em 514.643 habitantes pelo IBGE, depende de políticas como Bolsa Família e Auxílio Emergencial para sobreviver. Governo e especialistas explicam o fenômeno: crise econômica agravada pela pandemia de Covid-19.

A assistente social do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), Denise Arêas, diz que o CadÚnico reúne informações para implementação de políticas públicas capazes de promover a melhoria de vida das famílias.
“Para se inscreverem no Cadastro Único, as famílias devem ter renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa, ou renda total de até três salários mensais. São programas sociais o Bolsa Família, Tarifa Social de Energia Elétrica, Carteira do Idoso, Tarifa Social do INSS, Benefício de Prestação Continuada – BPC, Minha Casa Minha Vida, ID Jovem, Isenção da Taxa do ENEM, Isenção da taxa de inscrição em Concursos Públicos Federais, dentre outros”.
Cesta básica é doada em Campos – Foto: Silvana Rust

Somente no Cras do bairro Jardim Carioca há mais de 10 mil pessoas inscritas. Campos possui cerca de 15 unidades em diferentes bairros e distritos, além de um serviço móvel. A coordenadora Ana Cláudia Cordeiro diz que o aumento da procura por atendimento está ligado ao desemprego, além da pandemia. “Temos recebido pessoas que não conheciam o Cras e que nunca precisaram. Muitas buscam atendimento, inclusive de nível superior, pois perderam seus empregos. O Bolsa Família é o carro-chefe. Há muita procura também por cestas básicas”, diz.
V. é uma mulher de 50 anos. Ela não quis se identificar. Diz que cria um neto e recebe do Bolsa Família R$ 195 por mês. Desempregada há quatro anos, faz bicos como faxineira.
“Eu me sinto humilhada. Tenho vergonha de pedir, mas não tem outro jeito. Quando a gente está trabalhando, resolve muita coisa. Espalhei muitos currículos, mas nada. Meu desespero maior é por ter criança em casa. Nem sempre as pessoas têm como ajudar. Vim atrás de cesta básica hoje. Por sorte, consegui”, disse.
Inês Calanca é assistente social – Foto: Silvana Rust

A assistente social Inês Calanca diz que as famílias em extrema pobreza solicitam muito cestas básicas. “É uma coisa gritante. As pessoas estão passando fome mesmo. Acho que o essencial é a comida. Elas não têm acesso ao básico. Há quem não consegue nem R$ 89 mensais. O número de pobres ao extremo pode ser muito maior. Nem todo mundo tem acesso ao próprio direito, não sabem que precisam vir ao Cras, desconhecem o serviço. Quando não conseguimos ajudar, isso gera muita frustração”, destaca.

Perspectivas para 2022
Para o secretário de Desenvolvimento Humano e Social, Rodrigo Carvalho, a vulnerabilidade se potencializou com aumento do desemprego e desigualdades sociais. “Vemos isso no sentido macro. O governo tem o viés social, tentamos atender o máximo de pessoas possível. Conseguimos aumentar a oferta de cestas básicas. São 1,4 mil por mês, com projeção de aumento, mas ainda é pouco diante de 49 mil famílias em extrema pobreza. Temos alguns programas em vista que serão apresentados pelo prefeito Wladimir Garotinho. Estamos executando orçamento de 2020. Só vamos executar o que planejamos a partir de 2022”, explica.

Para Carvalho, o aumento de 160% das inscrições no Cadastro Único em 2021 tem a ver também com a redução de atendimentos no início da pandemia em 2020. “O Cras não pode deixar de funcionar ou esperar a pandemia acabar. Adotamos todos os protocolos de segurança, mas não deixamos de atender a população. O prefeito Wladimir diz que a gente tem que governar para todos, mas principalmente para quem mais precisa. Parcerias com a sociedade civil organizada são muito importantes para minimizar o problema da fome e extrema pobreza”, cita.
De acordo com o Cadastro Único de junho, além das quase 49 mil famílias em extrema pobreza, Campos possui 3.384 em situação de pobreza; e 10.718 famílias de baixa renda. Aos 60 anos, Severina Santos, procurou o Cras do Jardim Carioca pela primeira vez. Ela trabalhava fazendo faxina. Com problemas de saúde, diz que não consegue emprego. “Vim saber se tenho direito a algum benefício para ajudar no sustento da casa. Meu marido é autônomo, mas passamos por dificuldades financeiras”, afirma.

A costureira Reyna Yolanda Pinateli, 67 anos, nasceu no Peru e vive em Campos desde 2007. A crise econômica e a pandemia fizeram com que ela ficasse desempregada e sem renda. Procurou o Cras para tentar receber um salário mínimo por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), se inscrevendo no CadÚnico. “Estou devendo o aluguel e recebo ajuda de vizinhos para comer. Torço para ser aprovada no programa do governo e ter uma renda mensal”, diz.

De acordo com a psicóloga do Cras Rozilane Cadena, há uma avaliação para inclusão social em programas governamentais. “Fazemos referenciamento e acolhida individualizada. Quanto ao emocional das pessoas, quando vemos a necessidade de encaminhamento para a rede de saúde, a gente ajuda. Muitas precisam de apoio psicológico e psiquiátrico por conta da Covid e de sequelas neurológicas e respiratórias da doença”, conta.


Especialistas apontam alternativas

Para o cientista social e professor da UFF José Luis Vianna Cruz, limites de gastos públicos e privados e instabilidade da economia aumentam o desemprego. “É uma crise seríssima, como nunca vista antes no Brasil. De 2017 para cá, chegamos a 15 milhões de desempregados. Na nossa região, os poços de petróleo da Bacia de Campos diminuíram a produção. Desde 2014 houve diminuição de arrecadação de royalties e participação especial. Isso afetou ainda mais a crise no Estado do Rio de Janeiro. Desemprego, aumento da pobreza e da fome: a desigualdade está mais grave. A situação de Campos tem particularidades que agrava ainda mais a situação”, analisa.
José Luis defende a criação urgente de políticas sociais de amparo, proteção e segurança social sob a forma de transferência de renda. “O Cheque-Cidadão teria que voltar para compensar não só o Bolsa Família, que é muito menos que um salário mínimo. O Auxílio Emergencial não tem grande alcance e é intermitente. A fome e o desemprego são permanentes. É preciso subsídio para o transporte coletivo, seja total ou parcial. São 40% da população precisando de apoio. O Restaurante Popular é excelente, mas são necessários outros mecanismos para atender as famílias que precisam comer”.

O cientista social diz que é preciso gerar emprego e renda. “Precisamos de obras para movimentar o orçamento de Campos, que vem melhorando nos últimos dois anos, e que ainda é um dos maiores orçamentos do Brasil dentro dos municípios com a mesma faixa de população. É uma questão de redirecionar prioridades. Apoiar a produção agrícola e agropecuária, as centenas de catadores de lixo, são meios relativamente baratos e imediatos com retorno econômico, social, político e de arrecadação para a prefeitura”, defende.

O economista e professor da Universidade Cândido Mendes, Paulo Clébio, considera que se o governo municipal aprovar mais impostos, isto torna a situação mais complicada. “Uma cidade com empregabilidade baixa e tributação alta, o empobrecimento aumenta e a cidade fica sem recursos para ser movimentada. O efeito multiplicador da moeda é algo que salva a cidade. O dinheiro que entra em uma loja volta para o banco e vira empréstimo. É algo bom. Em contrapartida, ao tirarmos esse dinheiro de circulação por conta do excesso de impostos e taxas, isso piora ainda mais, fazendo com que haja expansão de empobrecimento e problemas sociais”, acredita.
Equipe do Cras – Foto: Silvana Rust

Paulo Clébio lembra que o Bolsa Família e o Auxílio Emergencial são alternativas inspiradas em propostas keynesianas adotadas pelos Estados Unidos na crise de 1929.
“Isso vem sendo trabalhado por todos os países em período de crise, inclusive por governos de direita. É uma decisão sábia para que haja recursos na economia. Não adianta o governo federal desenvolver um trabalho e o governo estadual tirar; não adianta o governo estadual fazer e o municipal tirar. É preciso unir as três esferas governamentais do Executivo para a valorização dos recursos. A prefeitura, por exemplo, pode reduzir os impostos nesse momento. Entidades assistenciais e religiosas têm ofertado alimentos para que pessoas não morram de fome na cidade. Todos podem cooperar”, conclui.


Fonte Terceira Via

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