GUILHERME BELIDO
É de todos sabido que “contra fatos não há argumentos” e o Brasil está colhendo – e ainda pode piorar – as consequências de ter pautado, desde março de 2021, a sucessão presidencial do ano que vem com vinte meses de antecedência.
Para que fique ainda mais claro, com a economia dando sinais de que desceria ladeira abaixo – como vem se confirmando – e a pandemia acelerando para alcançar o pior índice de transmissão do vírus (como de fato se verificou em abril, quando houve registro de dias com mais de 4 mil mortes), ainda assim um quantitativo de políticos olhou para o próprio umbigo, visualizou onde estava o ‘seu’ interesse e tratou de antecipar a discussão eleitoral. O resto – tratado como “resto” na acepção da palavra – não interessa.
Então, ‘noves fora’, o que não se conseguiu barrar em março – há seis meses – por mais indevido e prejudicial que possa estar sendo, agora é que não vai mudar: o Brasil vai seguir de olho na sucessão e este será o tema predominante, custe o que custar, até outubro de 2022. Mesmo porque ‘o custo’, quem acaba pagando, é sempre o povo.
Em tese, o terceiro nome, a chamada terceira via, seria o mais sensato, mas exigiria uma guinada ostensiva para emplacar. Segundo levantamento do Atlas Político, o percentual de eleitores que cogitam uma alternativa a Bolsonaro e Lula teria passado de 23% para 28%. Mas é tudo muito vago. E restando mais de um ano para o pleito, nada foge à especulação.
Também as pesquisas de intenção de votos ora feitas por este ou aquele instituto são meramente abstratas. Já se viu o eleitor mudar o voto a 3 meses da eleição – às vezes 3 dias – o que dizer a mais de um ano à frente. Portanto, são percentuais meramente especulativos.
O que se tem de mais sólido é que tanto Bolsonaro quanto Lula deverão estar no 2º turno – e aí o resultado é imprevisível. Mas, como eleição é igual a nuvem, se ambos sequer forem os dois mais votados, o mundo não vai acabar por causa disso. Mas é difícil. Bolsonaro tem a caneta e o discurso anti-petista. Lula tem a tradição do PT e, da mesma forma, o discurso anti-Bolsonaro.
Por isso mesmo, repetindo citação feita várias vezes nesta página, um quer ao outro e não admitem terceira via, tendo em vista que não faltará a nenhum dos dois argumentos para bombardear o adversário.
“O Brasil não formou lideranças”, antecipou Giannotti em 2017. Estava certo
Há exatos dois meses, em 27 de julho, o Brasil perdeu um dos filósofos mais influentes do País, Arthur Giannotti, de 91 anos, professor emérito de Ciências Humanas da USP, de conceito internacional e um das figuras que mais se dedicaram a estudar o fenômeno político.
Entre 2016 e 2017 concedeu algumas entrevistas, particularmente ao programa Canal Livre, da Bandeirantes, onde advertiu que um dos graves problemas que o Brasil estava enfrentando com viés de piora era a falta de líderes.
Advertiu o renomado professor que ao fim da Lava Jato [que então reconheceu como um marco] o Brasil olharia para todos os lados e não encontraria um líder sequer que pudesse conduzir, guiar, orientar ou, quando menos, apontar alguma direção à Nação.
Lembrou, ainda, que a Força Tarefa da Lava Jato estava fazendo o que tinha que fazer, mas combatia resultados, sem aprofundar-se nas entranhas do Brasil que – reconhecia – não era de sua atribuição.
Para ele – e aí entramos no cerne da questão que ora amargamos – os nomes de proa da política brasileira ou estavam envolvidos em corrupção ou saindo de cena. E – advertia Giannotti – com a base corrompida, a depuração seria lenta até que “uma certa metamorfose faria emergir nomes que talvez estivessem por aí, mas que ainda não se manifestaram, ou não foram vistos ou, ainda, não se fizeram ver”.
Nomes de peso – Em sua densa observação, lembrou que no período imediatamente anterior ao golpe de 64, o Brasil tinha Juscelino, Jango, Lacerda, Brizola, Arraes, Lott e outros líderes que atuaram numa mesma época.
E, da mesma forma, nos últimos anos dos militares e primeiros da redemocratização, entre outros, Ulisses, Tancredo, Teotônio, Covas, novamente Brizola e o próprio Lula – então não mostrado como posteriormente se revelou. Ainda na citada entrevista na qual expôs seu pensamento, Giannotti relacionou, como nomes mais próximos daqueles dias, Fernando Henrique, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves – este antes das denúncias – e advertiu que não via mais ninguém.
E logo lançou a pergunta: e hoje, temos quem? Um só nome – indagou – que esteja no patamar que aqueles estiveram em suas respectivas épocas?
Pois é! Do alto de seus 87 anos e de notáveis conhecimentos, Giannotti previu com singular precisão o que o Brasil vislumbra pela frente: dois candidatos identificados muito mais por seus respectivos malfeitos do que por méritos.
Governos marcados
O ex-presidente Lula da Silva, antes carimbado com o Mensalão, acrescentou o envolvimento promíscuo com empreiteiras, em particular a Odebrechet, – entre outros escândalos de corrupção. Teve as condenações anuladas, mas não foi inocentado. Existem diferentes entendimentos, sendo que os supostos crimes denunciados pela Lava Jato podem começar a prescrever em 2022. Em outros, poderá ser inocentado das acusações, mas ainda responde ações penais que tramitam na Justiça Federal. Seja como for e ainda que de todos seja inocentado, a marca fica.
Pelo lado de Bolsonaro – igualmente carimbado – pesam as declarações absurdas de que não houve ditadura ou tortura no Brasil, as falas agressivas e ofensivas incompatíveis com a liturgia do cargo, os erros cometidos no enfrentamento da Pandemia com a nomeação de 4 ministros da Saúde em pouco mais de um ano. O inaceitável “E daí? Lamento. Quer que eu faço o quê?” – sobre as vidas perdidas para a Covid. O desprezo pelo meio ambiente e queimadas da Amazônia, apoiando o ex-ministro Ricardo Sales. A negação ao distanciamento social e ao uso de máscara adotado no mundo inteiro e, ele próprio, provocando aglomerações. ‘De quebra’, tenta proteger seus filhos acusados de práticas delituosas e, via de regra, o que diz hoje, desdiz amanhã.
Futuro – Enfim, é o Brasil de altos e baixos, que pode ter em 2022 uma espécie de continuação, ao pior estilo repley, do pleito de 2018 – o que seria desastroso – com a população dividida e inclinada a comportamentos mais odiosos e de resultados imprevisíveis.
Fonte: Terceira Via
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