domingo, 31 de outubro de 2021

Fundo Soberano: passaporte para o futuro

Deputado cumpriu agenda oficial em Campos na última semana, quando falou ao Terceira Via sobre política e economia

ENTREVISTA
(Foto: Carlos Grevi)

Cíntia Bareto e Aloysio Balbi

Ele foi prefeito de Paracambi por duas vezes e está no seu quarto mandato como deputado estadual, no momento, pelo PT. André Ceciliano, habilidoso com as palavras, preside, hoje, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Começou uma peregrinação por todo o estado para expor detalhes do chamado Fundo Soberano, que pode ser uma importante ferramenta para destravar a economia fluminense.

Na semana passada, esteve em Campos para se reunir com prefeitos e empresários com objetivo de tratar deste tema. Também visitou o Sistema Terceira Via, onde concedeu entrevista para o jornal impresso e a TV. Falou do uso de máscaras durante a pandemia, que ele quer flexibilizar com base em pareceres da Ciência, mas centrou seus argumentos na economia.

O senhor está percorrendo o estado para falar do chamado Fundo Soberano. Resumidamente, o que é e de onde virão os recursos que irão compor essa reserva?

O fundo é uma poupança pública para que o Estado possa investir para alavancar e diversificar a matriz econômica do Rio de Janeiro. O Estado do Rio, a exemplo de algumas prefeituras que recebem royalties, precisa pensar no futuro para além dos royalties. Esse fundo será usado para isso. Esses recursos virão de 30% do aumento na arrecadação dos royalties e participação especial, sempre comparando com o ano anterior. O fundo também poderá capitalizar os próprios recursos do governo. Além disso, a gente está calculando que as ações da CPI dos royalties devem render mais de R$ 22 bilhões. Desse total, 50% poderá ser aplicado no fundo.

Em quais áreas estes valores serão investidos?

Temos falado muito em Ciência e Tecnologia e no complexo industrial da Saúde, que o estado do Rio tem nas universidades e na Fiocruz. São produtos e equipamentos, são novas tecnologias que poderão ser financiadas com esse fundo. Mas esse recurso vai ser aplicado respeitando a potencialidade de cada região. Agora, que nós vamos aderir ao novo Regime de Recuperação Fiscal, isso vai possibilitar que o Rio de Janeiro pague o mínimo possível do serviço da dívida, nos dando uma janela de oportunidades. Também estamos contando com o aumento do preço do barril do petróleo, para que a gente possa investir, sair da inércia. O Estado do Rio é o segundo PIB do país, depois de São Paulo. É o estado que mais consome. E, mesmo assim, 80% dos nossos produtos vêm de fora.

Como foi a reunião feita na Uenf, que contou com a participação de prefeitos na discussão desse tema?

É fundamental ouvir quem está na ponta. Eu fui prefeito por dois mandatos na cidade de Paracambi, na Baixada Fluminense, onde fizemos uma transformação muito grande na área da Saúde, Educação, Desenvolvimento Econômico. Fizemos um complexo educacional que hoje conta com 16 cursos superiores públicos, sete cursos de pós-graduação. Lá era uma antiga fábrica de tecidos que hoje virou a Fábrica do Conhecimento. A gente precisa dar oportunidades à juventude e não há meio melhor que a educação. Então, a recepção dos prefeitos à ideia foi ótima, porque mais recursos significa mais possibilidades de atender às enormes demandas que existem em todo estado.

Por falar em demanda, estamos saindo de uma das piores crises da história, com a pandemia do novo coronavírus. O Brasil, como o resto do mundo, foi muito afetado. O senhor mesmo apresentou diversas leis para combater a crise sanitária. Como vê esse período? Como está a situação hoje?

Aprovamos leis de proteção ao cidadão. Já em março de 2020, proibimos o corte de energia, gás e água dos consumidores. Depois, criamos a obrigação do uso da máscara porque, naquele momento, foi necessário, já que os negacionistas não queriam usá-la. Nós também criamos um programa de transferência de renda, chamado Supera RJ, além do auxílio-gás para as famílias de baixa renda. A gente remeteu o projeto que começa a flexibilizar o uso de máscaras no Estado à Secretaria de Estado de Saúde, que definiu os critérios do texto. Existe uma polêmica em relação a essa medida porque as pessoas pensam que a gente está abolindo o uso da máscara. Muito pelo contrário. Nós estamos seguindo a ciência, porque é a ciência, através da vacina, que está possibilitando essa mudança.

Falando em desafios, nós vivemos em um momento de polarização política. Como é, para o senhor, presidente de uma Casa de Leis, lidar com políticos de diferentes correntes?

Em 2018 houve uma radicalização da sociedade como um todo e na política não foi diferente. A gente viveu, em 2019, um momento muito tenso na Alerj. Partidos com ideologias opostas, como o PSL, o PSOL e o PT, fizeram debates mais acalorados no Plenário da Assembleia. E é bom que se faça assim, desde que respeitando sempre a opinião dos deputados. A gente consegue ter uma condução coerente por conta da participação dos parlamentares e também pelo nosso estilo democrático de ouvir todos os lados. A gente precisa pensar em um Estado que sofreu muito nos últimos anos, e para isso, a união dos políticos é fundamental em prol de projetos que visem o bem público.

O senhor já está no quarto mandato como deputado, é presidente da Alerj desde 2019. Quais são os seus objetivos ainda na política? O que o senhor quer alcançar?

Eu quero criar oportunidades para que o Estado se desenvolva e volte a crescer, criar possibilidades dos jovens terem emprego, poderem estudar em escolas de qualidade, em universidades boas, para que possam ajudar suas famílias. Acho que todo político quer isso, o bem-estar do seu povo. Meu projeto é continuar atuando sempre nesse sentido, independente do cargo ou função. A população que decide na verdade o nosso futuro.

Voltando à questão dos royalties. Qual a sua percepção sobre o assunto na região?

A discussão que tivemos em Campos foi muito proveitosa. Ouvimos os atores econômicos, empresários, professores, cientistas e universidades, além dos prefeitos e vereadores. A grande preocupação é a liminar do STF, que já foi duas vezes pautada e nós conseguimos retirar, primeiro com o ministro Toffoli e depois, com o Fux. Em 2012, o Congresso vota uma nova partilha dos royalties, modificando a emenda constitucional. Então, se a ação que agora está no STF for votada pelo plenário, há grandes chances do Estado do Rio perder.

É possível evitar essa derrota?

Tem que ter um grande esforço no Congresso, porque essa lei acabaria quebrando os Estados do Rio e do Espírito Santo. Mas, na hora de votar contra os outros estados, nunca ganhamos. Todo mundo está ávido por recursos. Temos uma liminar e precisamos fazer uma concentração no Congresso. Precisamos fazer um acordo, uma lei que redistribua os royalties daqui para frente. Não pensarmos para trás. Precisamos conversar com líderes de outros estados. Precisamos modificar essa lei e parar com essa discussão no STF. Nós temos 5,7 mil municípios no Brasil. Então, esse discurso dos royalties divididos por todo mundo só quebra o Estado do Rio e não traria melhorias para os outros municípios. Quebra os produtores e não resolve o problema de ninguém. Os royalties originados da exploração dos novos campos de petróleo podem ser divididos entre todos, assim como fazemos com o ICMS. Essa negociação tem que ser feita no Congresso Nacional. Mesmo assim, precisamos pensar no futuro e o Fundo Soberano é isto, um passaporte para o futuro. Ele vem para pensar o Estado além dos royalties e participações. Precisamos dar oportunidade à juventude. Precisamos de infraestrutura no pós-pandemia para atrair investimentos e gerar emprego e renda. Oitenta e dois por cento da produção de petróleo está no Estado do Rio, mas 70% das indústrias que exploram esse petróleo são de fora do país. O Rio tem de 18 a 20% desta indústria. Quando a política era de conteúdo nacional, tivemos um boom na construção naval, a Petrobrás, hoje, freta mais de 300 navios fora do Brasil. Se a manutenção fosse feita no Estado do Rio, ocuparíamos 80% dos nossos 16 estaleiros. Isto gera desenvolvimento de tecnologia e mais empregos. Em 2020, o Rio foi o 17º Estado em arrecadação de impostos, o 13º em ICMS, mesmo sendo o segundo maior estado consumidor. Alguma coisa está fora da ordem.

E a questão do gás?

Nós injetamos no pré-sal mais de 50% da produção. Por um lado é importante para ter melhor aproveitamento do poço, mas é preciso criar formas de trazer o gás para a superfície. O Estado de São Paulo está discutindo a rota 04A. Querem tirar nosso gás e utilizar em São Paulo. Precisamos fazer a rota 04b, para levar o gás até Itaguaí, transformar o gás em polímeros. Poderíamos abrir uma planta de fertilizantes no Porto do Açu, porque a gente importa fertilizantes hoje. Se a China parar de exportar, nossa produção cai. Então, precisamos ter uma planta de fertilizantes e utilizar o gás para isto. Precisamos transformar o petróleo e o gás em outros produtos.

É tecnicamente viável uma fábrica de fertilizantes no Açu?

Uma planta de fertilizantes é necessária para garantir o agronegócio de todo o país. Precisamos pensar com a academia, com os institutos federais. A academia está no Estado do Rio. Precisamos da atenção desse setor para incentivar e materializar o que eles desenvolvem.

Parece que o senhor sonha com um Rio mais tecnológico?

Nós temos o complexo industrial da saúde no estado Fiocruz produzindo vacinas, e a UFRJ testando. Ainda temos a Uenf, Rural, UFF, UFRJ produzindo novas tecnologias. Precisamos investir nisso. A dificuldade é produzir as vacinas. Várias indústrias de fármacos foram para Goiás, além das distribuidoras, que foram para o Espírito Santo. Então, tem uma guerra fiscal. Os estados diariamente zeram a alíquota de ICMS e precisamos, infelizmente, fazer a mesma coisa. As universidades estão fazendo as pesquisas, mas precisamos ajudar na materialização dessa tecnologia. Portanto, se quisermos construir um bom futuro, a base está atrelada à tecnologia.

O senhor conseguiu, na Alerj, dar o primeiro passo contra os efeitos dessa guerra fiscal entre os estados. Como foi isso?

A lei complementar 160 permite que o Estado copie o ICMS das suas regiões. O Estado do Rio era o único que dava publicidade aos benefícios. Minas, Espírito Santo e São Paulo não faziam isso. Agora podemos colar os benefícios dos outros. Como aconteceu no Riolog, setor atacadista, que colamos do Estado do Espírito Santo. Já aumentamos em 25% a arrecadação. Se nós não nos adaptarmos, vamos ficar para trás. Voltamos a crescer na arrecadação, preço do petróleo a mais de 80 dólares por barril, câmbio a quase seis reais. Vamos arrecadar por volta de R$ 7 a R$ 8 bilhões a mais que em 2020 em royalties. Então precisamos ter 30% da arrecadação a mais no Fundo para ter um programa de desenvolvimento, discutir com as regiões, para atrair outros investimentos.
Fonte: Terceira Via

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