Lei Áurea de 13 de maio de 1888 passa por revisão e novos significados
POR OCINEI TRINDADEFoto: Silvana Rust
A data que marca historicamente o fim da escravidão no Brasil, 13 de maio de 1888, ainda é motivo de discussões, desde os abolicionistas do século 19 até os dias atuais. Após 136 anos, o racismo, a inclusão social, a desigualdade e a reparação histórica para pessoas pretas escravizadas por mais de três séculos são pautas analisadas por lideranças políticas e comunitárias, além de pesquisadores, historiadores e intelectuais. A Lei Áurea e o Dia da Abolição têm ganhado novos significados ao longo do tempo. Em Campos dos Goytacazes, a Subsecretaria de Igualdade Racial marcou evento para debates. De acordo com pesquisas, no passado, a cidade tinha quarenta por cento da população formada por pessoas escravizadas.
Campos teve destaque no cenário escravocrata brasileiro pela quantidade de mão de obra negra em fazendas de café e engenhos de cana-de-açúcar no passado. A antiga Vila de São Salvador teve o maior número de escravos da província do Rio de Janeiro, segundo pesquisas da historiadora Rafaela Machado, autora da dissertação “O negro e seu mundo: vida e trabalho no pós-Abolição em Campos dos Goytacazes (1883-1893)”. “Dados do escritor Teixeira de Mello apontam que nos anos 1880, ao considerarmos apenas o conjunto da população da Vila de São Salvador, do total de 19.400 habitantes, 40,77% compunha-se de escravos, isto é, 7.910 indivíduos. Lana Lage da Gama Lima afirma que era este o maior número de escravos da província do Rio de Janeiro, que possuía nesse período 289.239 escravos, concentrando Campos 12,33% desse total””, destaca Rafaela Machado em reportagem publicada pelo J3News, em 2022.
Na segunda-feira (13), um encontro na Subsecretaria de Igualdade Racial reúne diversas pessoas em sua sede, às 18h, para debaterem o tema “Trabalho análogo à escravidão: um dos reflexos da abolição inacabada”. Entre os palestrantes, estão o vice-prefeito de Campos, Frederico Paes, a promotora de Justiça, Maristela Naurath e a assistente social e conselheira tutelar, Mannu Ramos. Para o subsecretário da pasta, Totinho Firmino, o 13 de maio é uma data reflexiva: “Para os movimentos sociais e os abolicionistas antigos, hoje ativistas na luta antirracista, o 13 de maio é uma data onde houve abolição, mas não um projeto político para absorver a população negra que estava sendo posta em liberdade, ou em falsa liberdade, naquela época. O encontro em Campos é uma maneira de estar ressignificando uma data emblemática por ser controversa, mas de significado importante na história do Brasil. A gente vai trazer o Ministério Público e o vice-prefeito, por ser este um empresário de grande escala em Campos, e alguns técnicos para discutirem. Há uma visão histórica do Norte do Estado do Rio de Janeiro, assim como no interior de todos os estados do Brasil, com a manutenção, ainda, do trabalho análogo à escravidão. Esse debate traz reflexão e possibilidade de construir uma carta etnográfica para apresentarmos ao Legislativo e Executivo locais, propostas de enfrentamento ao trabalho análogo escravo em parceria com o MP”, explica.
Passado e presente
A professora e historiadora campista Maria Amélia Belisário é autora do livro “Irmandades dos Homens Pretos – Sentidos de Proteção e Participação do Negro na Sociedade Campista (1790-1890)”. Ela faz um recorte desse período pelo qual passa o ano da Abolição ou da proclamação da Lei Áurea. A autora avalia a importância do movimento abolicionista na cidade.
A data que marca historicamente o fim da escravidão no Brasil, 13 de maio de 1888, ainda é motivo de discussões, desde os abolicionistas do século 19 até os dias atuais. Após 136 anos, o racismo, a inclusão social, a desigualdade e a reparação histórica para pessoas pretas escravizadas por mais de três séculos são pautas analisadas por lideranças políticas e comunitárias, além de pesquisadores, historiadores e intelectuais. A Lei Áurea e o Dia da Abolição têm ganhado novos significados ao longo do tempo. Em Campos dos Goytacazes, a Subsecretaria de Igualdade Racial marcou evento para debates. De acordo com pesquisas, no passado, a cidade tinha quarenta por cento da população formada por pessoas escravizadas.
Campos teve destaque no cenário escravocrata brasileiro pela quantidade de mão de obra negra em fazendas de café e engenhos de cana-de-açúcar no passado. A antiga Vila de São Salvador teve o maior número de escravos da província do Rio de Janeiro, segundo pesquisas da historiadora Rafaela Machado, autora da dissertação “O negro e seu mundo: vida e trabalho no pós-Abolição em Campos dos Goytacazes (1883-1893)”. “Dados do escritor Teixeira de Mello apontam que nos anos 1880, ao considerarmos apenas o conjunto da população da Vila de São Salvador, do total de 19.400 habitantes, 40,77% compunha-se de escravos, isto é, 7.910 indivíduos. Lana Lage da Gama Lima afirma que era este o maior número de escravos da província do Rio de Janeiro, que possuía nesse período 289.239 escravos, concentrando Campos 12,33% desse total””, destaca Rafaela Machado em reportagem publicada pelo J3News, em 2022.
Na segunda-feira (13), um encontro na Subsecretaria de Igualdade Racial reúne diversas pessoas em sua sede, às 18h, para debaterem o tema “Trabalho análogo à escravidão: um dos reflexos da abolição inacabada”. Entre os palestrantes, estão o vice-prefeito de Campos, Frederico Paes, a promotora de Justiça, Maristela Naurath e a assistente social e conselheira tutelar, Mannu Ramos. Para o subsecretário da pasta, Totinho Firmino, o 13 de maio é uma data reflexiva: “Para os movimentos sociais e os abolicionistas antigos, hoje ativistas na luta antirracista, o 13 de maio é uma data onde houve abolição, mas não um projeto político para absorver a população negra que estava sendo posta em liberdade, ou em falsa liberdade, naquela época. O encontro em Campos é uma maneira de estar ressignificando uma data emblemática por ser controversa, mas de significado importante na história do Brasil. A gente vai trazer o Ministério Público e o vice-prefeito, por ser este um empresário de grande escala em Campos, e alguns técnicos para discutirem. Há uma visão histórica do Norte do Estado do Rio de Janeiro, assim como no interior de todos os estados do Brasil, com a manutenção, ainda, do trabalho análogo à escravidão. Esse debate traz reflexão e possibilidade de construir uma carta etnográfica para apresentarmos ao Legislativo e Executivo locais, propostas de enfrentamento ao trabalho análogo escravo em parceria com o MP”, explica.
Passado e presente
A professora e historiadora campista Maria Amélia Belisário é autora do livro “Irmandades dos Homens Pretos – Sentidos de Proteção e Participação do Negro na Sociedade Campista (1790-1890)”. Ela faz um recorte desse período pelo qual passa o ano da Abolição ou da proclamação da Lei Áurea. A autora avalia a importância do movimento abolicionista na cidade.
Tigre da Abolição|José do Patrocínio
“A partir das pesquisas realizadas nos jornais da época e nos livros de atas da Câmara Municipal, percebi que as publicações das Irmandades Religiosas dos Homens Pretos, que congregavam escravos e forros, eram intensas, convocando para prestações de contas, eleições, festas, procissões, que exerciam um papel de atrair um número cada vez maior de pessoas ao mesmo lugar, não só para manifestação festiva em homenagem ao Santo Padroeiro, São Benedito, Santa Efigênia, Nossa Senhora do Rosário, mas, também, para sua própria causa no processo de construção de políticas voltadas para a população negra. Havia grupos atuando e dando visibilidade a essa população. Vejo que as Irmandades foram um instrumento interessante na questão de projetar esse negro que estava nos engenhos e à margem” diz. A autora destaca, ainda, nomes expressivos de Campos durante a abolição: “Campos dos Goytacazes tem nomes históricos no combate à escravidão, como José da Silva Patrocínio. Destaco, ainda, o papel brilhante do jornalista Luís Carlos Lacerda, fundamental com seus editoriais no Jornal 25 de Março. Ele contestava a escravidão e denunciava diversas ações dos donos de tanta projeção”, cita Maria Amélia.
O escritor, dramaturgo e professor da Universidade Federal Fluminense, Eugênio Soares, observa ressignificações da data histórica: “O 13 de Maio precisa ser pensado numa longa duração, pois é a ponta de um iceberg cujo processo abolicionista teve os negros escravizados como protagonistas, considerando o seu papel de resistência com fugas, revoltas, suicídios, organização de redes de apoios, negociações, processos judiciais, lutas pela abolição. As ressignificações de historiadores e lideranças do movimento negro já ocorrem desde o século passado, superando a visão de democracia racial e/ou de negro escravizado como sujeito passivo; destacando temas como visões de liberdade, as famílias dos escravizados, a língua dos negros, as revoltas, a formação cultural, entre outros. Na atualidade, tentamos uma abordagem que procura combinar a agência desses sujeitos históricos com o peso e condicionante do sistema da época, destacando o papel do conceito de raça como instrumento de dominação europeia”, analisa.
“A partir das pesquisas realizadas nos jornais da época e nos livros de atas da Câmara Municipal, percebi que as publicações das Irmandades Religiosas dos Homens Pretos, que congregavam escravos e forros, eram intensas, convocando para prestações de contas, eleições, festas, procissões, que exerciam um papel de atrair um número cada vez maior de pessoas ao mesmo lugar, não só para manifestação festiva em homenagem ao Santo Padroeiro, São Benedito, Santa Efigênia, Nossa Senhora do Rosário, mas, também, para sua própria causa no processo de construção de políticas voltadas para a população negra. Havia grupos atuando e dando visibilidade a essa população. Vejo que as Irmandades foram um instrumento interessante na questão de projetar esse negro que estava nos engenhos e à margem” diz. A autora destaca, ainda, nomes expressivos de Campos durante a abolição: “Campos dos Goytacazes tem nomes históricos no combate à escravidão, como José da Silva Patrocínio. Destaco, ainda, o papel brilhante do jornalista Luís Carlos Lacerda, fundamental com seus editoriais no Jornal 25 de Março. Ele contestava a escravidão e denunciava diversas ações dos donos de tanta projeção”, cita Maria Amélia.
O escritor, dramaturgo e professor da Universidade Federal Fluminense, Eugênio Soares, observa ressignificações da data histórica: “O 13 de Maio precisa ser pensado numa longa duração, pois é a ponta de um iceberg cujo processo abolicionista teve os negros escravizados como protagonistas, considerando o seu papel de resistência com fugas, revoltas, suicídios, organização de redes de apoios, negociações, processos judiciais, lutas pela abolição. As ressignificações de historiadores e lideranças do movimento negro já ocorrem desde o século passado, superando a visão de democracia racial e/ou de negro escravizado como sujeito passivo; destacando temas como visões de liberdade, as famílias dos escravizados, a língua dos negros, as revoltas, a formação cultural, entre outros. Na atualidade, tentamos uma abordagem que procura combinar a agência desses sujeitos históricos com o peso e condicionante do sistema da época, destacando o papel do conceito de raça como instrumento de dominação europeia”, analisa.
Itens de tortura|Escravidão também é mancha na história de Campos (Foto: Silvana Rust)
Eugênio Soares reflete, ainda, a situação da população negra: “Campos é uma cidade negra desde a virada do século XVIII para o século XIX. No entanto, sempre se apresentou e representou como branca. Mudou muito do século XIX para cá? Basta se perguntar quantos e quais os representantes negros tivemos e temos no Executivo e Legislativo municipal nas últimas décadas. Já a situação do trabalhador, devemos lembrar que temos mais de 100 mil famílias assistidas pelo CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) em Campos. Você usa o transporte público da cidade? É uma das experiências mais humilhantes para qualquer trabalhador ao final do dia. E olha que nem falamos no trabalho escravo na atualidade como um problema ainda não radicado no Norte-Fluminense, objeto de denúncia e de pesquisa na área de humanas”, conclui.
Eugênio Soares reflete, ainda, a situação da população negra: “Campos é uma cidade negra desde a virada do século XVIII para o século XIX. No entanto, sempre se apresentou e representou como branca. Mudou muito do século XIX para cá? Basta se perguntar quantos e quais os representantes negros tivemos e temos no Executivo e Legislativo municipal nas últimas décadas. Já a situação do trabalhador, devemos lembrar que temos mais de 100 mil famílias assistidas pelo CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) em Campos. Você usa o transporte público da cidade? É uma das experiências mais humilhantes para qualquer trabalhador ao final do dia. E olha que nem falamos no trabalho escravo na atualidade como um problema ainda não radicado no Norte-Fluminense, objeto de denúncia e de pesquisa na área de humanas”, conclui.
Fonte: J3News
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