Efeito Lava-Jato força partidos mudar de nomes, mas o que se espera são profundas mudanças nos conceitosCAMPOS POR MARCOS CURVELLO
A Lava-Jato mudou a política. Entre acusações de parcialidade e de erros nas investigações e na instrução de processos, a operação e seus desdobramentos vêm avançando sobre nomes de diferentes siglas e ideologias. Expôs as piores prá- ticas dos governantes e trouxe a corrupção para o centro do debate eleitoral — segundo pesquisa do Ibope esta já é a principal preocupação de 62% dos brasileiros, deixando para trás temas tradicionalmente mais citados, como saúde e segurança.
Para tentar capitalizar os anseios do eleitorado e tirar ganhos políticos, mesmo de onde parecia improvável, as legendas apelam à lógica do marketing e apostam no chamado “rebranding”. Ou seja, tentam reposicionar a própria marca no “mercado eleitoral”, afastando a ideia de que são justamente aquilo que continuam sendo: partidos. Criam-se novos nomes e reorientam-se os discursos. Mas, basta um arranhão na superfície para mostrar que sob o verniz de novidade e democracia, a sopa de letras oculta as mesmas velhas tintas de sempre.
Ao chegar às urnas, no dia 7 de outubro, os eleitores vão encontrar uma série de novos nomes, geralmente uma única palavra que busque sentido de força, renovação ou identidade nacional. São legendas como Podemos, Avante e Patriota, que tentam criar para si uma nova identidade não como as peças fundamentais da tão criticada política partidária, mas como “movimentos”. Essa, pelo menos, é a teoria, já que as preocupações, muitas vezes, são de fundo extremamente prático e não ideológico, e as decisões são tomadas ou apoiadas por velhos conhecidos dos Poderes nacionais, de olho nas pesquisas de intenções de voto — e de um slogan que “pegue”.
Importado
De olho no bem sucedido “Yes, We Can”, de Barack Obama, o Partido Trabalhista Nacional (PTN) virou Podemos. A legenda é uma das mais antigas do país, com 73 anos, e elegeu Jânio Quadros Presidente da República em 1960. De lá para cá, porém, a força do partido minguou. Em 2014, por exemplo, elegeu somente quatro deputados federais, número que se reduziu pela metade poucos meses depois.
A mudança deu certo e o novo nome atraiu novos componentes. A sigla foi relançada em julho de 2017 com 14 deputados federais e 2 senadores. É uma das que luta para se afastar da ideia de partido para tentar emular o desempenho do presidente da França, Emmanuel Macron, na campanha do ano passado, com seu movimento “Em Marcha”. Antes de completar um ano de sua “nova vida”, o Podemos lançou a pré-candidatura do senador Álvaro Dias à Presidência da República. A cerimônia aconteceu em março, em Belo Horizonte (MG).
Dias, porém, pode ser considerado um ex-tudo. Começou carreira política no MDB, onde ainda estava quando passou a ser, PMDB, PST, PP, PSDB, PDT e PV. Em 2009, esteve entre os senadores que utilizaram a cota de passagens aéreas pagas pelo Senado para beneficiar parentes e amigos com viagens ao exterior. Dias autorizou a emissão do maior número de passagens internacionais. Foram 8, para destinos como Uruguai e Argentina.
Fora!
Já o Partido Trabalhista do Brasil (PT do B) mudou seu nome para Avante. De tacada, se descolou do Partido dos Trabalhadores, um dos mais afetados pelos escândalos de corrupção, eliminando do nome o “PT”, e da palavra “trabalhismo”, que se tornou inconveniente após a Reforma Trabalhista. Porém, o Deputado Federal mineiro Luis Tibé, velho cacique do PTdoB, segue como presidente nacional da legenda. Sua família também tem grande influência no Partido Republicano Progressista (PRP).
Em 2010, o então PT do B se coligou com PSDB, DEM, PTB, PPS e PMN para apoiar a candidatura de José Serra (PSDB) à presidência da República. A parceria com os tucanos foi reeditada quatro anos mais tarde, quando a legenda compôs coligação com o PMN, SD, DEM, PEN, PTN, PTB e o PTC, em apoio à chapa encabeçada por Aécio Neves (PSDB).
Sem partido
Abandonar o estigma da política partidária foi a estratégia de duas legendas. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) voltou a se chamar apenas MDB, como nos tempos de oposição à ditadura militar. Proposta do senador Rome ro Jucá, que se tornou nacionalmente conhecido ao ser pego em um grampo sugerindo ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado um pacto para “estancar a sangria” da Lava-Jato.
O outro foi Partido Social da Democracia Cristã (PSDC), que será apenas Democracia Cristã. A mudança de nome ainda depende de autorização do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas já pode ser vista no site da legenda.
Presidente da sigla desde sua fundação, em 1997, José Maria Eymael segue no comando.
Planos frustrados no PEN…
Por sua vez, Partido Ecológico Nacional (PEN) virou… Patriota. Largou o mote verde para assumir o slogan nacionalista e conservador “O Brasil acima de todos. Deus acima de tudo”, na tentativa de atrair o Deputado Federal Jair Bolsonaro, que é pré-candidato à presidência e concentra entre 15% e 20% das intenções de voto, segundo pesquisa do Datafolha.
Não deu certo. Bolsonaro assinou com o Partido Social Liberal (PSL) e o Patriota teve que se contentar em lançar a pré-candidatura do Deputado Federal Cabo Daciolo, expulso do PSOL após apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para que a Constituição diga que “todo poder emana de Deus”.
A mudança de nome ainda continua em pauta, mas, como no caso do PSDC, aguarda autorização do TSE. …
e no PSL
E por falar no PSL, o partido passaria a se chamar Livres, mas o plano foi frustrado pela chegada de Bolsonaro. Capitão da reserva do Exército, Bolsonaro cumpre seu quinto mandato da Câmara dos Deputados — 28 anos em Brasília.
O presidente da legenda, o Deputado Federal Lu ciano Bivar, rompeu acordo com o filho, Sérgio, que servia de ponte entre a legenda e o movimento, que controlava 12 diretórios estaduais e pretendia assumir o controle da máquina partidária.
De tendência liberal e libertária, o movimento deseja se tornar suprapartidário, se ligando a mais de uma legenda.
Exemplo
Há 11 anos, o Partido da Frente Liberal (PFL) se tornou o Democratas. Antes, já tinha sido Partido Democrático Social (PDS) e Aliança Renovadora Nacional (Arena), que dava sustentação política à Ditadura Militar.
Hoje o DEM é o segundo aliado mais importante do Presidente da República Michel Temer, e emplacou o deputado Rodrigo Maia na presidência da Câmara. O filho de César Maia lançou em março sua pré-candidatura e tenta pavimentar a chegada da sigla ao Palácio do Planalto.
Mas, o partido pode mudar mais uma vez de nome. Uma pesquisa encomendada apontou que a legenda poderia se chamar Mude, o que já foi rejeitado pelo próprio Maia, que prefere uma opção que represente equilíbrio, como “Centro Democrático”.
Borracha no passado
Uma rápida espiada nos nomes envolvidos na maioria das trocas dos nomes e nas cabeças de chapa revela uma tentativa de apagar o passado dos partidos. Passar uma borracha nas histórias de corrupção e varrer para baixo do tapete as denúncias atreladas às velhas siglas, propiciando um novo começo para as mesmas velhas raposas.
Ou, como defende o Tancredi de Lampedusa: “se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.