Portadores de câncer encaminhados para o Hospital Álvaro Alvim reclamam da demora e mau atendimento
Na última edição impressa do Jornal Terceira Via, foi revelado um esquema escandaloso na gestão da Saúde municipal. A denúncia, que já está sendo investigada pelo Ministério Público, aponta para o direcionamento de pacientes com câncer atendidos pela estrutura da Secretaria Municipal de Saúde de Campos para o Hospital Álvaro Alvim, mesmo sabendo que o tempo para um primeiro atendimento nessa unidade é de 40 a 60 dias, enquanto que se esses mesmos pacientes fossem encaminhados ao Hospital Geral Dr. Beda ou à Beneficência Portuguesa, que também atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS), eles seriam atendidos em um dia. Durante toda a semana, e equipe de reportagem do Terceira Via tentou buscar explicações junto aos responsáveis pelo setor em Campos, mas o silêncio e a fuga das perguntas foram as respostas. No entanto, na última sexta-feira (9), uma reunião de emergência convocada pela secretária de Saúde, Fabiana Catalani, com as Unacons do município, tratou da situação e em ata houve o registro da promessa de reverter a situação.
Cláudio Petrucci não dá explicações
Assim que foi revelado o direcionamento de pacientes com câncer de forma privilegiada ao Álvaro Alvim em detrimento das Unidades de Alta Complexidade em Oncologia (Unacons) da Beneficência e do Beda, o coordenador responsável pelo Serviço Estadual de Regulação (SER) de pacientes oncológicos, o médico Cláudio Petrucci foi procurado para dar explicações durante toda esta semana pela reportagem do Terceira Via. Vários telefonemas foram realizados, mas sem sucesso. Petrucci, que chegou a atender uma das ligações, desligou, não atendeu mais às chamadas e se calou. A equipe de reportagem então fez uma tentativa na sede do órgão estadual na Rua Edmundo Chagas. O local fica fechado a maior parte do tempo e está com aparência de abandonado, pois o mato toma conta do pátio. Na sede foi informado que Cláudio Petrucci não trabalhava lá há mais de dois anos, mas em uma sala do Núcleo de Controle e Avaliação da Secretaria de Saúde de Campos.
No Núcleo de Controle e Avaliação, a diretora responsável disse que não dava entrevistas, mas informou que Cláudio Petrucci é representante do Estado e que ele utiliza uma sala cedida pela Prefeitura. A reportagem conversou com a secretária do coordenador do SER, Suzana Lima. Ela informou que Cláudio Petrucci viaja muito a trabalho, e que não tem dia e nem hora exatos para passar pelo setor. Suzana Lima não informou o e-mail do médico para contato e para explicações sobre as denúncias. Ela forneceu então seu próprio correio eletrônico para que enviássemos o pedido de respostas. O e-mail fornecido por Suzana apresentou falha e retornou como não existente. Também pela segunda semana, o jornal fez contato por telefone e por e-mail com a Secretaria Estadual de Saúde, na busca por uma resposta do órgão. Os e-mails sequer foram respondidos. Um e-mail também foi endereçado ao governador Luís Fernando Pezão sobre a má gestão do SER em Campos, que em resposta prometeu mandar averiguar toda situação.
Centro da Mulher nega informação
No Centro da Mulher, setor ligado à Secretaria Municipal de Saúde para atendimento de diversas especialidades médicas, houve mais dificuldades de respostas sobre como está funcionando o serviço, principalmente das pacientes oncológicas do município. Uma funcionária identificada apenas pelo nome de Claudecir disse que não poderia dar nenhum tipo de informação à imprensa. Ela sugeriu que procurássemos por telefone a diretora do setor, a médica Leila Werneck. Durante toda a semana, o telefone celular indicado por Claudecir dava sinal de ocupado permanentemente, impossibilitando assim qualquer contato com a diretora do Centro da Mulher para esclarecimentos do porquê, entre outras perguntas, de pacientes diagnosticadas com câncer de colo de útero serem encaminhadas para o Álvaro Alvim, mesmo sabendo que lá não dispõe do equipamento que faz a braquiterapia, que é específico para o tratamento desse tipo de câncer e que só o Hospital Dr. Beda tem.
Ana Cláudia foi encaminhada da UBS do Jóquei direto para o Álvaro Alvim
O drama de pacientes com câncer em Campos
Quando identificado no estágio inicial, o câncer pode ser tratado e curado na maioria das vezes. O problema é a dificuldade pela qual passa boa parte dos pacientes do Sistema Único de Saúde, com diagnósticos demorados ou nem realizados em tempo hábil. Esta situação está sendo vivida na pele por diversos pacientes em Campos. É o caso da garçonete Ana Cláudia Pereira Nunes, de 45 anos, moradora do bairro Jóquei Clube. Em setembro de 2017, ela foi apontada com suspeita de câncer de mama. Passou pelo Hospital Escola Álvaro Alvim, mas durante quatro meses não conseguiu se tratar na unidade hospitalar.
Ana Cláudia contou que em um Posto Médico do bairro onde mora, um profissional examinou seu seio que tinha secreção e sangramento. Ela foi encaminhada para o Hospital Álvaro Alvim com pedido urgente de exames. Uma biópsia seria necessária para esclarecer o problema e o tipo de tratamento adequado, mas isso não aconteceu.
“Eu insisti com a atendente para que fossem feitos os exames porque o médico escreveu a palavra “urgente” no pedido. Ela disse que todos os médicos faziam isso em se tratando de câncer, e que a Prefeitura não tinha repassado verbas para o Álvaro Alvim, e por isso, não poderia autorizar os exames, a não ser que eu pagasse 700 reais só para a biópsia, fora os outros exames”, disse.
Sem dinheiro teve que esperar
Sem recursos para pagar os exames, Ana Cláudia tentou contar com ajuda de pessoas conhecidas, mas sem sucesso. Ela preferiu esperar a autorização para fazer gratuitamente pelo SUS. Esta situação se arrastou até dezembro de 2017. Graças a uma cliente da lanchonete em que trabalha, Ana Cláudia foi informada que poderia procurar outra Unacon, e foi indicada em janeiro para o setor de oncologia do Hospital Geral Dr. Beda. “Eu sou leiga e não sabia que o Beda tratava câncer pelo SUS, pois fui encaminhada apenas pelo Álvaro Alvim”, lamentou.
Segundo Ana Cláudia, a demora no diagnóstico pode ter contribuído para a evolução do câncer. “Meu caso é gravíssimo. Desde que cheguei ao Oncobeda, fiz todos os exames de graça pelo SUS e fui muito bem tratada. Já comecei a quimioterapia e estou lutando pela vida. Sou mãe solteira de quatro filhos e minha família depende de mim”, contou. Antes de começar o tratamento, a paciente fez os exames de hemograma, tomografia, imunostoquímica, cintilografia e ecocardiograma. A queixa de Ana Cláudia Nunes foi parar na rede social Facebook.
“Foi o único modo que consegui para protestar. A Saúde em Campos está um caos. No Hospital Geral de Guarus, tive muitas dificuldades e também no Álvaro Alvim, desde que fui encaminhada para tratar o meu seio afetado. Não entendo porque tive que esperar tanto para exame e diagnóstico no Álvaro Alvim, se no Oncobeda fui atendida rapidamente”, criticou.
Outro caso
Há dois anos, o comerciante Antônio Abud viveu situação semelhante a de Ana Cláudia Nunes. Com suspeita de câncer na próstata, ele foi encaminhado para se tratar no Hospital Álvaro Alvim. Depois de fazer exames e esperar mais de um mês para começar a radioterapia sem conseguir, ele estranhou a demora para iniciar o tratamento pelo SUS.
“No comércio a gente faz amizades, e um amigo me sugeriu procurar o Hospital Dr. Beda. Lá, me pediram todos os exames já feitos anteriormente. O médico estranhou que no Álvaro Alvim não foi feita uma ressonância magnética. Fiz este exame no Beda rapidamente pelo SUS e descobri que o câncer na próstata estava quase atingindo outros órgãos. Se demorasse mais um pouco, nem sei se estaria vivo para contar. Fiz 37 sessões de radioterapia e estou bem. As pessoas precisam de carinho e atenção quando estão doentes de câncer. É um momento difícil. Eu acho que as pessoas não podem ser mal atendidas como eu fui no Álvaro Alvim”, desabafou.
José Maria Miro buscou ajuda de amigos para comprar remédio de R$ 8 mil
Professor vítima de erro
O professor do curso de geografia do Instituto Federal Fluminense (IFF), José Maria Ribeiro Miro, de 56 anos, também denuncia mau atendimento. Ele não teve a oportunidade de escolher o local de tratamento, diferente do que a Prefeitura de Campos afirmou, na última reportagem do Jornal Terceira Via. José Maria ao sentir fortes dores na perna direita, em outubro do ano passado, foi socorrido para o Hospital Ferreira Machado onde os médicos descobriram que ele tinha câncer renal e metástase nos pulmões e no fêmur direito.
“Fiquei 15 dias internado no HFM esperando uma vaga para o tratamento especializado de câncer. Depois desse período, surgiu uma vaga no Hospital Álvaro Alvim. Os médicos me recomendaram um remédio caríssimo, que custa R$ 8 mil a caixa e me indicaram tratar primeiro o fêmur, para que eu voltasse a ter mobilidade. Eu fiquei feliz com essa decisão”, contou José Maria.
Ao descobrir a doença, amigos e familiares começaram uma campanha para ajudar na compra do remédio. Um desses amigos, Sérgio Senna, que mora no Rio de Janeiro contou que passou a se aprofundar nas pesquisas sobre o câncer e descobriu que o remédio receitado não era o indicado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o tipo de tratamento.
“Além disso a família ficou insegura em aplicar, pois poderia causar sangramento no nariz, fígado e até parada cardíaca. Quando, enfim, conseguimos uma nova consulta, os médicos não tocaram no paciente. Não foi pedido nenhum exame ou foi dado algum encaminhamento, enfim, um descaso sem igual”, desabafou.
Tamanho descaso no atendimento fez os familiares tentarem, por conta própria, uma consulta especializada no Instituto de Traumatologia e Ortopedia (INTO), no Rio de Janeiro. “Para minha surpresa, ao chegar no INTO, o médico disse que há um protocolo a ser seguido e, por isso, não poderia me atender enquanto o câncer primário, no rim, não fosse tratado. Voltei para Campos triste e comecei uma nova saga para conseguir ser operado no Álvaro Alvim”, o que aconteceu no dia 18 de dezembro de 2017, dois meses após a descoberta do câncer.
Após se recuperar da cirurgia, José Maria fez cinco sessões de radioterapia, encerradas no dia 16 de janeiro. Mas o que ele pensava ser, enfim, o início de uma recuperação, se transformou em abandono. “A consulta que já estava agendada, foi desmarcada, ficamos vários dias indo ao hospital para tentar nova consulta e, enfim, pegar a receita médica, mas sequer, achávamos os médicos lá. O que era mais difícil nós já tínhamos, que era o remédio caro. Só fomos atendidos em 5 de março”, disse Janaína Santos Lima Miro, mulher de José Maria.
Beneficência Portuguesa teve redução de pacientes oncológicos
Beneficência também denuncia
Além da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia do Álvaro Alvim, Campos possui outras duas Unacons: no Hospital Geral Dr. Beda e na Beneficência Portuguesa. De acordo com a diretora da Unacon da Beneficência Portuguesa, a médica Ionilda Velloso de Carvalho, desde o ano passado houve uma diminuição drástica de pacientes encaminhados pela Secretaria Municipal de Saúde para se tratarem no hospital.
“Eu percebi que a redução maior ocorre há seis meses. Estamos praticamente com demandas ociosas no setor de oncologia referentes a novos pacientes. Por exemplo, houve um mês que recebemos apenas um paciente novo com câncer. Isto causa estranheza, pois é sabido que o Hospital Álvaro Alvim vem alcançando muito mais atendimentos de pacientes. Eu não fiz uma reclamação por escrito junto à Secretaria de Saúde, mas pude manifestar verbalmente meu descontentamento sobre essa situação com o setor público, pois nosso hospital tem todas as condições de tratar pacientes oncológicos com presteza e agilidade”, disse a diretora da Unacon da Beneficência.
Solução em reunião de emergência na Saúde
Após a grande repercussão da reportagem do Jornal Terceira Via, na última sexta-feira (9), a secretária municipal de Saúde, Fabiana Catalani, realizou uma reunião com os representantes das três Unacons instaladas no município (Álvaro Alvin, Hospital Dr. Beda e Beneficência Portuguesa) para tratar do assunto. Foi estabelecido como regra que para o primeiro acesso às consultas oncológicas o paciente deverá obrigatoriamente comparecer ao Núcleo de Controle e Avaliação da Secretaria de Saúde para receber as devidas orientações e as diferentes opções de locais de atendimento, com datas prováveis de primeira consulta, equipe médica, bem como a qualificação dos serviços de cada hospital, abolindo a entrega de envelopes fechados que eram encaminhados diretamente para inserção no
Serviço Estadual de Regulação (SER).
Durante a reunião, que teve momentos de tensão, o médico Frederico Paes Barbosa, defendendo os interesses do Hospital Álvaro Alvin, pediu para que constasse em ata sua discordância com a nova metodologia de atendimento aos pacientes com câncer em Campos. A decisão tomada na reunião visa equilibrar o sistema e beneficiar diretamente os pacientes com câncer, que agora terão acesso mais rápido e eficaz para tratar a doença.
Confira da ata da reunião entre Fabiana Catalani e representantes das três Unacons:
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