domingo, 11 de outubro de 2020

Campos fica de fora da nova onda dos royalties do petróleo

Serão distribuídos até 2024 ao menos R$ 47,6 bilhões, mas o município não receberá nada dessas indenizações



Plataforma da Petrobras na Bacia de Campos, litoral do RJ (Arquivo)

Por Thiago Gomes e Mariane Pessanha

Enquanto vários municípios brasileiros, incluindo alguns do Rio de Janeiro, aguardam para os próximos quatro anos uma nova onda lucrativa de royalties provenientes da exploração do pré-sal, à Região Norte Fluminense não deve chegar sequer uma ondulação. A estimativa é de que pelo menos R$ 47,6 bilhões sejam gerados em indenizações entre 2021 e 2024. No entanto, tais campos produtivos não são confrontantes com o Norte do Estado. Por isso, a prova de fogo para o próximo prefeito será redirecionar a economia local para fora do mar que a cidade vem navegando há décadas: a dependência dos recursos da exploração de petróleo.

Quando o assunto é petróleo, existe uma boa e uma má notícia para Campos. A boa é que, caso não tenha alterações no cenário atual, não deve haver outra queda brusca na arrecadação até 2024. Os valores permanecerão baixos, porém com um leve aumento gradual a cada ano. A má notícia é que isso pode mudar, caso o Superior Tribunal Federal (STF) decida partilhar os royalties com todos os estados e municípios. O julgamento da questão, que já foi adiado várias vezes, está marcado para 3 de dezembro.

Mas nem tudo está perdido. Na análise de especialistas ouvidos pela reportagem, Campos é um polo de serviços e, por ter essa característica, tem capacidade de se recuperar com rapidez. E isso pode começar a acontecer assim que a pandemia tenha um desfecho mais equilibrado, o que deve acontecer mediante a chegada da vacina ou de uma medicação ou tratamento contra a Covid-19.


Economista Ranulfo Vidigal (Foto: Carlos Grevi)

“A região vai ter que se acostumar a repensar sua atividade a partir de seu potencial. E Campos tem potencial na agricultura, na agricultura familiar, como setor de serviços e como área educacional e de serviços de saúde de alta resolutividade. Campos tem saída e ela está em repensar o seu potencial esquecido nesse tempo de fartura da indenização de petróleo, e que gerou uma certa displicência de seus recursos genuínos”, pontuou o economista Ranulfo Vidigal.

Enquanto a retomada não acontece, resta analisar os fatos. Para Campos, que já chegou ao ápice das indenizações em 2012, com mais de R$ 1,35 bilhão no orçamento (só de royalties), foi um choque fechar 2016 com apenas R$ 353 milhões na conta. A cidade saiu do topo do ranking nacional para ocupar atualmente a 5ª colocação entre as prefeituras que mais arrecadam com repasses provenientes da exploração do petróleo.

Segundo estimativa do sociólogo José Luis Vianna, especialista no assunto, em 2020 não deve ser diferente. A expectativa é de que o ano termine na casa dos R$ 314 milhões em royalties. No Estado do Rio, a nova onda de lucros do pré-sal alcança, no máximo, cidades entre o Centro e o Sul Fluminense. Mas não chega ao Norte Fluminense. Por isso, a partir de 2021 deve haver um leve crescimento das indenizações, mas nada astronômico, além da casa dos R$ 425 milhões até alcançar R$ 519 milhões em 2024.

Por que o NF não será beneficiado?

A resposta é simples: tais recursos são provenientes da exploração do pré-sal, mas a produção do Norte Fluminense é basicamente extraída no pós-sal, conforme esclarece o economista Ranulfo Vidigal.

“Esse dinheiro estimado recentemente virá fundamentalmente de uma área que pouco afeta o Norte Fluminense, que é o pré-sal. Nossa região é especializada no pós-sal e esta produção está em queda. Nos últimos 12 meses (encerrados em agosto), a redução foi de 18% na produção do pós-sal, que atualmente só representa 24% da produção nacional, mas já chegou a representar mais de 50%”, analisou Vidigal.

Desperdício ou investimento?

“É inegável que desperdícios ocorreram, mas também ficou uma infraestrutura na cidade que pode ser usada no futuro para alavancar e aumentar o grau de bem-estar da cidade”. A análise é do economista Ranulfo Vidigal, que pontuou o lado positivo e o negativo da aplicação dos royalties na cidade nas últimas duas décadas.

Segundo ele, havia dois caminhos: fazer uma poupança ou investir os recursos de imediato. Cidades como Maricá, na Região Metropolitana, escolheram o primeiro caminho, e cidades como Campos, o segundo.

“Um dos meios era respeitar a volatilidade dos royalties, criar um fundo garantidor de recursos e usar seu rendimento para financiar as políticas públicas. Assim está sendo feito em Niterói e Maricá. Já em Campos, foram realizados grandes investimentos, como o Hospital Geral de Guarus (HGG), que nasceu na fase dos royalties; a abertura de várias unidades de saúde, que também são oriundas desta mesma fase; a expansão da infraestrutura da cidade para as periferias, entre outras”, lembrou.


Prefeito Rafael Diniz (Foto: Carlos Grevi)


Aumento da arrecadação própria

Segundo o prefeito Rafael Diniz, entre as medidas para diminuir a dependência dos royalties está o aumento da arrecadação própria em aproximadamente R$ 100 milhões.

“Infelizmente, ainda é pouco para cobrir a perda anual de quase R$ 1 bilhão em royalties e participações especiais, mas este é um trabalho de médio e longo prazos que precisava ter início. Fiz o que prefeito nenhum teve a coragem de fazer, que foi trabalhar dentro da nova realidade financeira. Isso trouxe prejuízo ao meu nome político, pois não pude realizar obras desejadas pela população, nem dar o reajuste aos servidores. Mas não existe outro caminho para um grande futuro que não seja o da responsabilidade”, justifica o prefeito.

Como tirar a corda do pescoço?

Para Campos sair do sufoco e, por consequência, da dependência dos royalties, não há milagre ou fórmula mágica. As soluções são as mesmas já discutidas há décadas.

“O que a gente vê é que a indenização do petróleo acomodou a máquina fiscal e fazendária e fez com que a cidade ganhasse pouco dinamismo. Mas, Campos tem grande chance de sair disso porque ela é um polo universitário e também de serviços. Se tiver capacidade de unir universidades, setor privado e poder público, as alternativas vão surgir naturalmente. O orçamento municipal para 2021 no item Ciência e Tecnologia, por exemplo, é mínimo. Não chega a R$ 150 mil/ano. Ou seja, uma cidade que possui universidades de porte, 22 mil alunos, dotar apenas esse valor para investir, não está dando o devido valor a este setor, que, somado a outros, poderá alavancar a cidade”, analisou Vidigal.

Modernizar a agroindústria também é uma solução. “A produtividade agrícola em Campos historicamente está em queda. O poder público pode e deveria ajudar nisso. Mas, quando a gente olha o orçamento para 2021 já em discussão no Poder Legislativo, a dotação orçamentária é pequena para agricultura: R$ 5 milhões/ano. Com investimento deste porte, a produtividade média da terra agrícola pouco vai se modificar. E sem produtividade média agrícola, o setor industrial associado à terra também não vai ser produtivo para obter ganhos e gerar empregos e renda. Também tem a agricultura familiar, que pode dar grande contribuição no sistema alimentar na cidade”.


Sociólogo José Luis Vianna Cruz (Foto: Silvana Rust)

Planejamento

O sociólogo José Luis Vianna aposta na criação do chamado fundo soberano ou fundo poupança para que cidades como Campos ainda consigam usufruir, de forma mais consciente, os recursos dos royalties. Mas, como eles funcionam? O sociólogo explica que as rendas, royalties, participações especiais vão para o fundo, são aplicadas e vão rendendo. E uma lei regulamentada pela Câmara estabelece quanto pode ser usada a cada ano.

“A renda do petróleo é imprevisível. Então, quando você faz um orçamento, um ano e meio antes, prevendo quanto vai entrar e estabelecendo gastos, é uma total incerteza e insegurança, porque se não entrar o valor esperado, aquilo que o governo se comprometeu, vai deixar furo. O certo é organizar o orçamento como se não tivesse rendas do petróleo, é duro, mas é isso mesmo. O petróleo está acabando na região e temos que nos preparar para um dia não ter mais. É necessário ter projetos para usar uma parte desse dinheiro, que está no fundo, mas uma parte que te dê segurança. Por exemplo: está previsto, digamos, R$ 500 milhões para o ano que vem, no orçamento, coloca-se gastos de R$ 100 milhões porque, por mais que tenha uma queda, uma surpresa negativa no ano seguinte, não vai cair arrecadação de 500 para 100, até hoje não caiu tanto assim, então significa que vai ter os R$ 100 milhões e uma reserva” argumenta.

Niterói, Maricá, no Rio de Janeiro, e Ilha Bela, em São Paulo, são exemplos de municípios que criaram esses fundos e hoje contam com uma boa reserva. José Luiz explica que a formação desses fundos aconteceu por causa do mau exemplo do Norte Fluminense na aplicação dos royalties. “Os prefeitos, ano que vem, vão ter que ser criativos e fazer um pacto com a sociedade, para discutir quais são as prioridades, em função da crise no orçamento”, diz.

Royalties com menor espaço no orçamento

O município vive uma nova realidade financeira. Segundo o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Felipe Quintanilha, em 2015, os royalties e participações especiais representaram 54,9% do orçamento. Em 2017, primeiro ano da gestão do prefeito Rafael Diniz, este percentual já havia caído para 29,8%. Em 2020, as receitas do petróleo terão respondido por apenas 17% do orçamento.

“Sabendo que não seria mais possível depender tanto da receita do petróleo, desde o início trabalhamos com quatro metas: redução de despesas, aumento da arrecadação própria, atração de novas empresas e diversificação da economia. Além do incentivo a setores importantes, como agricultura, empreendedorismo, economia solidária, ciência, tecnologia e inovação. Foi criado um ambiente mais favorável aos novos negócios”, destacou.

Indenizações comprometidas

Felipe Quintanilha destaca que a atual gestão herdou uma dívida milionária de empréstimos contraídos em 2014, 2015 e 2016 e que teve que administrar o município com o orçamento pela metade. “A entrada do dinheiro dos empréstimos acabou maquiando a queda de royalties fazendo com que a população só percebesse a crise em 2017. O orçamento, que em 2016 foi de R$ 3 bilhões, passou para R$ 1,5 bilhão em 2017 e, ainda, com um empréstimo para pagar. Em 3 anos e 9 meses, já pagamos R$ 200 milhões só de empréstimos da gestão passada. Em 2019, voltamos a ter nova queda na receita, inclusive, com a primeira participação especial zerada na história de Campos”, finalizou Quintanilha.
Fonte Terceira Via

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