Esse público vive atualmente com até R$ 89 por mês, segundo dados do Governo Federal
Ocinei Trindade
Moradia precária na Estrada do Jacu, no Parque Aldeia, em Guarus (Foto: Carlos Grevi)
A fome e a extrema pobreza crescem no Brasil. São mais de 15 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza no país, com população superior a 211 milhões de habitantes, segundo levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Campos dos Goytacazes possui 511 mil moradores.
De acordo com dados da Secretaria do Desenvolvimento Social do Ministério da Cidadania, há mais de 45 mil famílias no município em situação de extrema pobreza, com renda de zero a R$89 por mês. Os números apontam, segundo especialistas, que 20% da população campista estão em condições precárias de alimentação e sobrevivência.
De acordo com o Cadastro Único, referência para direcionar benefícios federais como o programa Bolsa Família, em 2010, Campos possuía pouco mais de 30 mil famílias em extrema pobreza. Em agosto de 2020, o número chegou a 45.628 famílias. Já o número de famílias em situação de pobreza era de 3.637. Foram consideradas em situação de baixa renda 10.537 famílias. No total, estavam inscritas 70.629 famílias no Cadastro Único. Os números são alarmantes e ganham mais dramaticidade na pandemia de Covid-19. Ficou visível a maior quantidade de pessoas famintas e em situação de rua pedindo algum auxílio.
Pessoas carentes em busca de comida no Mosteiro Santa Face (Foto: Carlos Grevi)
No Mosteiro Santa Face, local onde freiras doam refeições há 40 anos para pessoas pobres e em situação de rua, 60 usuários eram atendidos diariamente. No início da pandemia, cerca de 300 pessoas passaram a bater na porta da instituição. As religiosas precisaram de ajuda para socorrer os mais carentes. “A fé é útil em qualquer ocasião, principalmente em situações extremas de sofrimento e penúria. O Senhor nos fala que nenhum justo morre de fome. Se as pessoas pensassem mais no seu próximo, a fome não existiria, pois a caridade começa no espírito”, diz a freira Maria da Conceição. Outras instituições religiosas e voluntários da cidade também auxiliam a população com doação de comida.
Comida e doações
Na fila diária em busca de alimento, algumas pessoas se acanham quando abordadas pela reportagem sobre fome, desemprego ou falta de moradia. Desempregado há três anos, Aldair Luciano, de 45 anos, concordou dar entrevista, mas sem fotos. Ele conseguiu o auxílio emergencial do governo federal de R$600, mas diz que é insuficiente para se manter e cuidar dos filhos pequenos.
“Recebendo ajuda, eu consigo usar o dinheiro para pagar contas e pensão dos meninos, pois sou separado da mãe deles. Sou de Guarus. Em todos os bairros de lá há miséria, falta tudo. Eu faço biscate, mas nem sempre consigo dinheiro. Me alimento aqui no convento porque preciso. Não tenho vergonha de pedir comida. Só não roubo, porque isso é vergonhoso”, diz.
No mesmo local, o desempregado Marcelo Carvalho disse que não conseguiu auxílio emergencial por não ter documentos. “Não sei como faço para conseguir isso. Não sei ler. Há muito tempo me alimento com a ajuda das freiras. Não consigo trabalho”, conta. A aposentada Eva Andrade diz que ganha um salário mínimo, mas que não dá para comprar remédios da diabetes e pressão alta que enfrenta. “Meu filho se chama Aglicério e está desempregado. Ele tem três filhos que eu ajudo quando posso. Comer aqui no convento me faz economizar”.
Casal Leandro Gomes e Fabiana Almeida está desempregado (Foto: Carlos Grevi)
O casal Leandro Gomes e Fabiana Almeida também está desempregado. Eles relatam que sobrevivem de doações de parentes, vizinhos e das freiras. “A gente namora e mora em casa diferente. O meu irmão é ajudante de pedreiro e eu vivo com ele. A gente se ajuda. Por problema de saúde, recebo um salário mínimo do INSS, mas é pouco para pagar as contas e os remédios que preciso. Sei que posso passar fome, daí eu peço ajuda. A Fabiana precisa de um botijão de gás, mas ainda não deu para comprar. A gente pede”, diz Leandro.
Números impactantes
Assistente social e professora da UFF, Érica Almeida (Foto:Reprodução)
Para a assistente social e professora da Universidade Federal Fluminense, Érica Almeida, os números da fome e pobreza em Campos preocupam. “Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social, das quase 60 mil famílias inscritas no Cadastro Único, 5% encontram-se na condição de pobres e 68% na condição de extremamente pobres, ou seja, 109 mil pessoas”, destaca.
Érica Almeida compara os números da pobreza em Campos com épocas anteriores. “Em 1991, depois da chamada década perdida (1980), a extrema pobreza em Campos representava 15,66%. Em 2000 ela caiu para 6,47%, e, em 2010, atingiu 3,6%. Portanto, contar com 21% da população do município nessa situação vai exigir solidariedade social e muitas políticas públicas entre setores para enfrentar esse problema, e não ajuste fiscal e privatização dos serviços e bens públicos essenciais”, defende.
A acadêmica e pesquisadora da UFF considera que a pandemia agravou ainda mais a pobreza. “A quarentena e distanciamento social afetaram drasticamente setores que empregavam trabalhadores de baixa renda. A construção civil parou, as donas de casa demitiram suas empregadas domésticas. Os trabalhadores informais também tiveram suas atividades impactadas. A situação atual não é resultado apenas da crise sanitária. Em 2019, o desemprego atingiu 13 milhões de trabalhadores. Foram 6,8 milhões de subocupados e quase 5 milhões em desalento. A informalidade atingiu 40 milhões de trabalhadores”, relata Érica.
Fernanda Cordeiro é assistente social (Foto: divulgação)
Para Fernanda Cordeiro, mestre em serviço social pela UFRJ, o monitoramento e avaliação das vulnerabilidades sociais das famílias de Campos são realizados. Ela chefia o setor de Vigilância Socioassistencial da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social. “A Prefeitura possui o setor de Segurança Alimentar e Nutricional que compõe o Conselho de Segurança Alimentar, e que realiza trabalhos nessa área. Temos uma ampla rede de atendimento através dos 13 CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), três CREAS (Centro Especializado), o Centro Pop e cinco locais de acolhimentos que atendem a diferentes públicos. Cofinanciamos outras seis Organizações da Sociedade Civil importantes nessa questão. Nesses equipamentos são concedidos benefícios eventuais às famílias, como cestas básicas. Para população em situação de rua são fornecidas quentinhas; e nos acolhimentos, cinco refeições por dia”, cita.
Fernanda afirma que a SMDHS oferece cursos para geração de trabalho e renda e um Programa de Transferência de Renda – Renda Mínima. “O Bolsa Família continua importante nesse enfrentamento, assim como o desenvolvimento de políticas sociais”, destaca.
Marcos Pedlowski aponta possíveis saídas (Foto: divulgação)
Propostas e soluções
O geógrafo e acadêmico do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Marcos Pedlowski, os caminhos para superar a fome e a extrema pobreza são tortuosos. “Passam pela retomada de projetos de desenvolvimento que reincluam os pobres no orçamento público. Há que se reverter as apostas em políticas ultraneoliberais como as que foram adotadas em Campos. A ideia de que cortando direitos e limitando a capacidade dos mais pobres de acessarem serviços públicos é simplesmente contraproducente”.
O professor da Uenf defende o fortalecimento da agricultura familiar de dez assentamentos de reforma agrária. Segundo Pedlowski, há produção de alimentos suficientes para acabar com a fome no município. “Há que existir uma política de desenvolvimento científico nas instituições públicas de ensino superior. Em curto prazo, essa retomada das políticas sociais vai permitir que os mais pobres voltem, pelo menos, a poder adquirir alimentos”, considera.
A socióloga e professora da Uenf, Luciane Silva, segue a mesma linha do colega de universidade. Ela defende mais transparência sobre o uso dos recursos federais durante a pandemia e o combate à fome. “Havia uma expectativa de distribuição de um determinado número de cestas básicas para essa população. É preciso assegurar nesse quadro de fome e de urgência na pandemia, dispositivos jurídicos constitucionais que possam fazer com que a comida chegue rápido para quem precisa. A burocracia do Estado como entrave é inaceitável, pois os recursos foram repassados. Transparência nesse momento é fundamental”, afirma.
Luciane acredita que Campos pode enfrentar a grave situação atual. “Desde a Constituição de 1988, o município é a unidade, talvez com mais possibilidade de tratar dessas questões. Outras cidades deram conta. É possível que em Campos tenhamos políticas públicas capazes de mitigar a situação de pobreza, fome e desemprego”, conclui.
Fonte Terceira Via
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