O
grupo de trabalho da Câmara criado para analisar o projeto de lei de
distribuição dos royalties do petróleo adiou para o dia 10 de abril a
votação do relatório do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Após quase
quatro horas de discussão, os membros da comissão não chegaram a um
acordo sobre como será o repasse de recursos oriundos da exploração do
petróleo para estados e municípios produtores.Apesar de acreditar na
possibilidade de um acordo, Zarattini avaliou que o debate desta
terça-feira deixou o grupo de trabalho mais distante de um consenso.
“Na última reunião, tínhamos avançado bastante no sentido de que
haveria um critério para que os estados produtores – Rio de Janeiro e
Espírito Santo – não tenham redução de receitas, mas, nessa reunião de
hoje, houve certo recuo dessas bancadas”, disse Zarattini.O principal
ponto de discussão foi a proposta do deputado Anthony Garotinho
(PR-RJ). O parlamentar fluminense propõe que Estados e municípios
produtores recebam, após a nova distribuição dos lucros do petróleo, o
equivalente ao que receberam em 2011, corrigido pelo Índice Geral de
Preços do Mercado (IGPM), da Fundação Getulio Vargas. Como não houve
consenso em torno da sugestão, Garotinho ameaçou abandonar o grupo de
trabalho. “Há muita intransigência dos Estados não produtores. O Rio de
Janeiro já perdeu muito. É um saque. Não há acordo. Vou sair dessa
comissão. O Nordeste quer dar uma garfada no Rio de Janeiro, mas vai
levar o troco la na frente na discussão da distribuição do FPE”, ameaçou
Garotinho.
Formado por 12 deputados, o grupo de
trabalho terá 30 dias para elaborar um parecer ao projeto aprovado
pelos senadores, que redistribui os royalties entre estados produtores e
não produtores de petróleo. A ideia, segundo Zarattini, é aprovar o
relatório na primeira quinzena de abril e votar a proposta no plenário
até o início de maio.
Entenda
Desde 1979, a Petrobras vinha tentando
comprovar a existência de óleo, mas as descobertas não foram
significativas até 2005. Em agosto de 2005 foram encontrados os
primeiros indícios de petróleo no pré-sal na Bacia de Santos, no bloco
BM-S-10, próximo a Parati. O grande anúncio sobre o pré-sal ocorreu em
novembro de 2007, quando o consórcio formado por Petrobras, BG Group e
Galp conclui análises do segundo pólo do MS-S-11, na área de Tupi, que
indicaram volumes recuperáveis entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de
petróleo e gás natural. A descoberta chamou a atenção do mundo para o
pré-sal.
As reservas da camada geológica do
pré-sal são uma das maiores do mundo. O governo estima que os blocos na
região podem conter entre 50 bilhões e 80 bilhões de barris, ou seja,
cinco vezes as atuais reservas comprovadas do País. O maior campo
identificado no bloco até o momento é o de Tupi, onde a Petrobras
calcula que possa recuperar entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de
petróleo e gás natural. O poço de Franco possui um volume de petróleo
recuperável de 4,5 bilhões de barris. Iara, de propriedade da
Petrobras, abriga reservas de entre 3 bilhões e 4 bilhões de
barris.Desde 2007, o governo brasileiro se prepara para definir um
plano de como explorar as reservas e o que fazer com o capital obtido
com as riquezas. Em julho de 2008, o governo formou uma comissão
interministerial para apresentar sugestões de mudanças institucionais e
regulatórias para a exploração e produção de petróleo e gás natural na
camada pré-sal. Começaram então as discussões para o novo marco
regulatório. A proposta do governo para explorar as reservas, conhecida
como marco do pré-sal, só ficou pronta um ano depois, em agosto de
2009. Segundo a União, 71% das reservas da área geológica ainda não foi
licitada e será regida pelas novas regras. O marco do pré-sal foi
dividido em quatro pilares:
Mudança do modelo de exploração
Até agora, o modelo de exploração de
petróleo no País é o de concessão. O governo leiloa uma área e a
empresa interessada paga royalties e taxas para o Estado, como a
participação especial. No novo marco, o governo propõe a produção
partilhada. A partilha prevê que a União fique com determinado
percentual da produção do petróleo, ao passo que deve caber às empresas
exploradoras o restante do insumo recolhido. O novo paradigma foi
adotado pelo fato de o governo entender que os poços do pré-sal têm
altas chances de ter grande quantidade de óleo. Com o provável baixo
risco de frustração, o governo acredita que as empresas exploradoras
têm a obrigação de repartir com a União parte da produção.
Criação da Pré-Sal S.A.
Para executar os trâmites burocráticos
do governo no sistema de partilha foi proposta a criação de uma
empresa, a Pré-Sal S.A.. A empresa será 100% estatal e vai tratar
apenas de conferir se o que as empresas privadas estão repassando está
correto e vender este óleo. A Pré-Sal S.A. não irá fazer exploração. Os
integrantes do Conselho de Administração da empresa terão mandato de
quatro anos prorrogáveis por igual período. A proposta determina que a
Pré-Sal S.A. disponibilize na internet suas demonstrações financeiras e
estabelece que as decisões colegiadas da diretoria executiva sejam
tomadas por maioria absoluta de seus membros quando pelo menos três
quintos deles estiverem presentes.
Criação do Fundo Social
O Fundo Social concentrará recursos
governamentais relativos à arrecadação com a exploração de petróleo na
região do pré-sal. O fundo receberá uma parte do que a União arrecadar
com o pré-sal, entre bônus de assinatura dos contratos de partilha;
royalties da União deduzidas as destinações específicas; resultado da
comercialização do óleo e do gás que caberá à União na partilha e
aplicações financeiras. Segundo o governo, o Fundo Social será
vinculado à Presidência da República.O fundo funcionará como fonte para
regular os recursos para realização de projetos e programas nas áreas
de combate à pobreza e desenvolvimento da educação, da cultura, da
ciência e tecnologia e da sustentabilidade ambiental. Embora parte dos
recursos do fundo já tenha destino certo, outra parte da verba poderá
ser investida fora do País. De acordo com o governo, o Fundo Social
permitirá que o Brasil não seja vítima da chamada “doença holandesa”,
situação na qual um exportador de produtos primários, como o petróleo,
com a entrada excessiva de divisas, abre espaço para a apreciação
cambial e o desmantelamento da indústria nacional.
Capitalização da Petrobras
A Petrobras foi definida pelo governo
como exploradora única do petróleo e gás no pré-sal. Ou seja, a estatal
terá participação em todos os blocos que forem criados para obtenção
dos recursos. Para isto, a empresa precisava de dinheiro para comprar
equipamentos e investir em pesquisa. O projeto estipulou duas operações
principais. Uma foi a cessão das reservas e a outra, a autorização
para a União subscrever ações da Petrobras e emitir títulos para pagar
por elas. Na prática, a Petrobras pagou com ações para a União o
direito de explorar os blocos. A União repassou à Petrobras os direitos
de exploração de reservas ainda não licitadas que contenham 5 bilhões
de barris de óleo equivalente (boe). A empresa pagou um total de US$
42,533 bilhões (em forma de ações) pelos 5 bilhões de barris que estão
em seis blocos: Franco, o maior deles, que deverá fornecer cerca de 3,1
bilhões de barris; Tupi Sul, Florin, Tupi Nordeste, Guará e Iara. Há,
ainda, o campo de Peroba, que será uma reserva, caso os demais campos
não somem 5 bilhões.Outra parte das novas ações emitidas em setembro de
2010 foi repassada ao mercado, que comprou R$ 120,36 bilhões em papéis
da empresa – a maior operação de capitalização de uma empresa na
história.
Divisão de royalties pagos pelas petrolíferas
A divisão dos tributos pagos pelas
empresas que exploram as áreas com petróleo no País não estava entre os
grandes pilares a serem discutidos pelo governo no marco do pré-sal.
Contudo, a dificuldade em chegar-se a uma solução conciliatória fez com
que o tema fosse discutido em separado e se tornado como o ponto mais
demorado a ser resolvido. Desde 2009 governo federal, Estados,
municípios e congressistas debatem sobre o tema. Não só os tributos
pagos pelo petróleo tirado nas áreas a serem licitadas, mas os campos
do pré-sal que já estão nas mãos das empresas entraram na
discussão.Dentre os maiores tributos pagos pelas empresas petrolíferas
atualmente ao País estão royalties e participação especial. O royalty é
uma espécie de compensação cobrada das concessionárias que exploram a
matéria prima. De acordo com a legislação brasileira, Estados e
municípios produtores – além da União – têm direito à maioria absoluta
dos royalties do petróleo. A divisão atual é de 40% para a União, 22,5%
para Estados e 30% para os municípios produtores. Os 7,5% restantes
são distribuídos para todos os municípios e Estados da federação.
Estados e municípios não produtores e não afetados pela extração querem
aumentar sua participação, enquanto os produtores e afetados pela
produção não querem diminuir a deles. A proposta é que a União cedesse
parte de sua parte. E é exatamente esta divisão que tem atravancado a
aprovação total do marco do pré-sal.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva chegou a defender a distribuição igualitária dos royalties, mas
voltou atrás diante da pressão dos Estados produtores e passou a
defender um tratamento diferenciado para essas administrações. Mas os
deputados não aceitaram a proposta e aprovaram uma emenda, apresentada
pelos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), Humberto Souto (PPS-RS) e
Marcelo Castro (PMDB-PI), que prevê a distribuição dos royalties do
pré-sal para todos os Estados da federação. A divisão aprovada na
Câmara por 369 votos a favor e 72 contrários é de que 30% dos royalties
sejam destinados aos Estados, 30% aos municípios e 40% à União, sem
tratamento diferenciado para os produtores. A chamada “emenda Ibsen”
foi além da camada pré-sal e estendeu a nova distribuição de royalties
também às bacias tradicionais, incluindo as já licitadas. Em um de seus
últimos atos, Lula vetou este acordo.
A questão então voltou ao Congresso e
a última proposta, que ainda precisa ser aprovada na Câmara e
sancionada pela presidente Dilma Rousseff, é que para os Estados e
municípios produtores ou afetados pela extração de petróleo o
porcentual caia de 61,25% atuais para 40%, em 2012; 38%, em 2013; 36%,
em 2014; 34%, em 2015; 32%, em 2016; 29%, em 2017; 27%, em 2018; e 26% a
partir de 2019. Em contrapartida, a participação dos Estados e
municípios não produtores ou não afetados subiria dos atuais 8,75% para
40%, em 2012; 42%, em 2013; 44%, em 2014; 46%, em 2015; 48%, em 2016;
51%, em 2017; 53%, em 2018; e 54% a partir de 2019.Já em relação à
participação especial, uma outra taxa paga pelas petroleiras à União em
campos de grande rentabilidade, a parte destinada aos Estados e
municípios produtores e afetados cairia dos atuais 50% para 39% no ano
que vem. A redução no percentual cairia gradualmente (37%, em 2013;
34%, em 2014; 31%, em 2015; 29%, em 2016; 27%, em 2017; e 25%, em 2018)
até atingir 24% em 2019. Já Estados e municípios não produtores, que
hoje não recebem nada de participação especial, passariam a receber 19%
do total a partir de 2012 e aumentariam gradualmente (20%, em 2013;
22%, em 2014; 24%, em 2015; 25%, em 2016; 27%, em 2017; 29%, em 2018)
até chegar ao percentual de 30% em 2019. Para os novos contratos, a
União ficará com 20% dos roaylties, os Estados e municípios produtores e
os municípios afetados dividirão 29% do que for pago em royalties e os
demais Estados e municípios ficam com 51%. A partir das próximas
licitações, que serão feitas sob o regime de partilha nas áreas do
pré-sal, não haverá mais participação especial.